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O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou nesta quarta-feira (4) um voto divergente no julgamento sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilícitos de usuários. Ao retomar a análise do caso, Mendonça defendeu uma postura “autocontida” do Poder Judiciário, argumentando que o Congresso Nacional possui a “maior capacidade” para legislar sobre o tema.
Mendonça, que havia pedido vista do processo em dezembro de 2024, iniciou a leitura de seu posicionamento com uma análise detalhada sobre o fenômeno das redes sociais e das fake news. Ele enfatizou a competência do Legislativo para tratar do assunto, sinalizando uma guinada em relação aos votos proferidos pelos relatores Luiz Fux e Dias Toffoli, que defenderam a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
“Com todas as vênias aos que possuem compreensão em sentido diverso, penso que, ao assumir maior protagonismo em questões que deveriam ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, o Poder Judiciário acaba contribuindo, ainda que não intencionalmente, para a agudização da sensação de desconfiança hoje verificada em parcela significativa da sociedade. É preciso quebrar esse ciclo vicioso”, declarou o ministro.
Liberdade de Expressão e Desconfiança Institucional
Ao longo da primeira parte de seu voto, Mendonça apresentou argumentos teóricos sobre a liberdade de expressão, defendendo-a como um conceito prioritário. Ele destacou a necessidade de uma postura autocontida do Judiciário diante do cenário de fake news e crises institucionais.
“É preciso considerar que num cenário no qual um dos principais fatores das crises atuais centra-se na desconfiança do cidadão em torno da credibilidade das instituições, não me parece que seja adotando medidas que, em última análise, irão impedi-lo de manifestar seu descontentamento com o estado de coisas vivenciado – inclusive por meio da defesa de outros regimes de governo, em substituição a forma democrática – sob a eventual justificativa de que seria preciso combater – pelo Direito e, portanto, através do Poder Judiciário – a mentira, que se irá superar a realidade de beligerância latente”, afirmou.
O ministro ressaltou a licitude de duvidar de instituições e até de crenças religiosas no Brasil, afirmando que “a partir do momento em que um povo é proibido de até mesmo desconfiar ou é obrigado a acreditar, instaura-se um ambiente perfeito para subjugá-lo pela sua impotência”. Ele reforçou que a liberdade de expressão, além de um direito individual, tem uma dimensão coletiva. Mendonça também argumentou que mentir, embora possa ser “errado”, não é “crime”.
Contexto e Implicações do Julgamento
O julgamento no STF discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que estabelece os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Atualmente, esse dispositivo prevê que as plataformas só podem ser responsabilizadas por postagens de seus usuários se descumprirem uma ordem judicial de retirada de conteúdo.
Os votos dos relatores, Fux e Dias Toffoli, declararam a inconstitucionalidade do artigo 19, defendendo que, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos (como racismo), as plataformas digitais devem agir a partir de uma notificação extrajudicial, sem a necessidade de ordem judicial.
Toffoli afirmou que o regime de responsabilidade atual é inconstitucional por não oferecer “proteção efetiva aos direitos fundamentais” e por não fazer frente aos “riscos sistêmicos que surgiram nesses ambientes”. Fux, por sua vez, apontou um “déficit de proteção” dos direitos no ambiente digital, alegando que as plataformas não têm “estímulo” para remover conteúdos ilícitos e criminosos, criando uma “terra sem lei”. “Olha que zona de conforto, a plataforma chega e diz eu não tenho condições, não tem como tirar, isso é para garantir a liberdade dos negócios. E como garante a liberdade dos negócios? Degrada a liberdade das pessoas”, observou Fux.
O recomeço do julgamento sobre as plataformas ocorre em um momento em que o governo dos Estados Unidos, por meio de Donald Trump, ameaça sancionar o ministro Alexandre de Moraes por decisões tomadas contra grandes empresas de tecnologia. Na semana passada, a possibilidade de punição ao ministro foi mencionada pelo chefe do Departamento de Estado norte-americano, Marco Rubio, durante um depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Congresso.
André Mendonça ainda não concluiu a leitura de seu voto, que deve ser finalizado na sessão desta quinta-feira (5). Contudo, o conteúdo já sinaliza uma importante divergência em relação aos demais ministros da Corte, reacendendo o debate sobre os limites da liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas digitais no Brasil.
