Brasil

Stop the music!

O vídeo de cerca de 40 segundos que tem sido, há dois dias, intensamente compartilhado pelas redes sociais, diz mais sobre nosso atual momento do que todas as teses extremamente inteligente e bem embasadas que você poderá ler ou ouvir, nas letras ou nas vozes dos mais conceituados analistas.

Nele, um covarde anônimo, câmera do celular ligada, tom de voz característico dos que se julgam revestidos de uma inexpugnável superioridade moral, interpela, no saguão de uma sala de concertos, uma senhora de 63 anos, que aparentemente estava ali sozinha e obviamente apenas para assistir a apresentação de uma orquestra.

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O homem exige saber da mulher – uma jornalista – o motivo pelo qual a empresa de comunicação que a emprega não aborda determinados temas – menciona algumas denúncias contra autoridades do Poder Judiciário – que ele diz ter lido em outro veículo.

O vídeo é interrompido e retomado em outro momento, gravado a partir da plateia e já durante a apresentação. Neste ponto, o Zé Ninguém, agindo como um amotinador de pocilga, interrompe a orquestra aos gritos histéricos de “stop the music!”: e diante do susto dos presentes, aos berros, “denuncia” a presença da jornalista e volta a desfiar o palavrório, com o mesmo teor.

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Consta que o fato ocorreu em Março. O local, a Sala São Paulo. A orquestra, a Sinfônica do Estado de São Paulo. A jornalista, Mônica Waldvogel.

Sobre o agitador rastaquera, nenhuma informação. Mas eu sou capaz de apostar que, em suas redes sociais, ele se autodefine como “cristão e conservador” – principalmente “conservador”: porque muitos deles adoram essa palavra, cujo sentido ignoram. Antítese de “conservador”, o autor da proeza teve seu momento de rascunho caricato de revolucionário de sarjeta.

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Nos posts em que o vídeo foi publicado, previsivelmente, não faltaram elogios à presepada: “guerreiro”, “corajoso”, “tem que desmascarar mesmo”, foram algumas das pérolas, escritas por pessoas sem capacidade cognitiva para notarem que não houve coragem, mas covardia; que ninguém foi “desmascarado”, a jornalista – funcionária de uma empresa, pela qual obviamente não responde – sequer respondeu ao inquisidor, que ficou falando sozinho.

A ideia de que o Brasil é um lugar aprazível, habitado por gente cordial e amiga, já caiu por terra há muito tempo: somos, na média, um povo bruto, ignorante, cafona, sem modos, violento e rancoroso. Mas, além disso, já há algum tempo, é nítido que padecemos de algo pior, de uma doença espiritual, que faz com que muitos andem por aí, pela vida – real ou virtual -, armados até os dentes com armas retóricas e verdades absolutas, prontos para alvejar quem elegem como inimigos; e quanto mais tacanho for o vivente, mais audácia ele terá para protagonizar cenas dantescas desse tipo:

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apenas um imbecil completo pode se sentir empoderado a ponto de, sem qualquer constrangimento, interromper um concerto e obrigar uma sala lotada – de pessoas que pagaram caro para estarem ali – a ouvir sua panfletagem inoportuna.

Alguns dirão: “o Brasil está super politizado”; mas é mentira: a política é o contrário do confronto, a política foi concebida justamente para que não nos matássemos uns aos outros. O Brasil está, sim, lotado de jagunços ideológicos, reagindo a gatilhos, agindo como se estivessem em uma cruzada.

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O parlapatão da Sala São Paulo é feito da mesmíssima matéria dos canalhas que, outro dia mesmo, interpelaram em bando o ministro da educação, que jantava na companhia de esposa e filhos pequenos, em um restaurante no Pará: não há nada – absolutamente nada – que os diferencie.

É inegável que, até bem pouco tempo, esse comportamento era exclusividade das esquerdas, experts que são e sempre foram na arte de formar e conduzir rebanhos.

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Mas algo mudou nos últimos anos.

Nós precisávamos arrancar do poder, de qualquer maneira, a quadrilha que havia se apossado do Brasil e promovera a maior pilhagem de que se tem notícia na história da civilização. Mas, em meio àquelas manifestações com milhões de pessoas, naquelas já saudosas tardes de domingo, todo um caldo de cultura se formou, um chorume que escorreu dos bons propósitos e, aos poucos, resultou em memes ordinários, pasquins picaretas, grupos de WhatsApp, desinformação, exageros, milhões de perfis fake:

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e, ao mesmo tempo em que comemorávamos a destituição da presidente, levantávamos inadvertidamente a tampa de uma latrina que, por sua vez, era uma espécie de portal para o inferno – e assim desencarceramos uma multidão trevosa que, por jamais ter antes visto a luz, agora reina jubilosa e cheia de orgulho na superfície.

Nós democratizamos a boçalidade.

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E basta olhar o cenário deste momento e verificar que não há no horizonte o mais remoto sinal de que isso se atenuará: nós vamos daqui para pior, isso é óbvio.

 

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PS: eu poderia publicar o referido vídeo aqui, mas me recuso a dar mais audiência ao autor; quem não o tiver visto – e fizer questão de vê-lo – pode encontrá-lo facilmente.

 

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