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“Vocês podem retirar as PCs [retroescavadeiras hidráulicas] de vocês aí, senão eles vão terminar é queimando, viu?”. A fala é de Ernandes Amorim, pecuarista e vereador por Ariquemes (RO), que já representou Rondônia no Congresso como senador, entre 1995 e 2000, e também como deputado federal, de 2007 a 2011.
Em um grupo de WhatsApp formado por garimpeiros de diversos estados, ele orienta uma pausa na atividade de garimpo. “Uma semana, três dias, não vai matar ninguém; pior é o prejuízo de perder tudo.”
A reportagem teve acesso a 42 arquivos de áudio, com duração total de aproximadamente duas horas, trocados entre os dias 19 de setembro e 6 de outubro em um grupo de WhatsApp intitulado “Garimpo a luta continua”. A foto do grupo traz a frase “garimpeiro não é bandido, é trabalhador”.
“Até o dia 2, como diz bem aí o Vilela, vamos esperar”, diz Amorim em outro áudio. No dia 2 de outubro, os garimpeiros teriam uma reunião com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Segundo pessoas ligadas ao governo, a agenda foi remarcada para esta terça-feira (8).
“Vocês estão vendo a merda como tá, querem trabalhar num período desse? Aí acontece o quê? Pessoas nossas aí ficam pagando pra ver, foram duas pro pau [foram presas]. Você entendeu? Então vocês tenham atenção”, diz Amorim.
O alerta se refere ao contexto de reforço da fiscalização ambiental por parte do governo federal no mês de setembro, em uma resposta à crise das queimadas na Amazônia, que resultou no acionamento do Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama. Considerado a “tropa de elite” da fiscalização ambiental, o grupo estava praticamente inativo ao longo deste ano.
“Oi, amigo, só pra te informar, tínhamos duas PCs lá, fizeram o mesmo exercício, só foi terminar no outro dia. Pessoal chegou lá, queimou as PCs […] chegou, encostou as camionetes juntas e tacou fogo. Motor, planta, rancho, alojamento […] esse pessoal não tem pena de ninguém não”, conta em um áudio enviado no fim de setembro.
Desde 2008, um decreto autoriza os agentes de fiscalização a destruírem equipamentos utilizados em atividades ilegais. Amorim admite, em outro áudio, que a medida é eficaz para combater o garimpo ilegal.
“Essa queimação de máquina aí, isso surte efeito. Acovarda o pessoal. Desarma o pessoal. Desmotiva o pessoal. Só essa ousadia que deram a esses ambientalistas para estarem queimando bens”, segue Amorim. “Você não vê o Exército botando fogo em máquina, você não vê o Exército se prestando a esse serviço”, ele acrescenta.
A convocação das Forças Armadas para atuar contras as queimadas na Amazônia tem gerado atritos com o Ibama. Um ofício da coordenação de fiscalização ambiental do Ibama com a data de 23 de setembro informa que em três situações os comandos militares se recusaram a participar de ações do Ibama que envolviam destruição de bens.
“É muito fácil o cara chegar e queimar material dos outros. Na hora que ‘neguinho’ tiver queimando casa de um, botando fogo na casa de outro, explodindo aqui, explodindo ali, aí ‘nego’ começa a ver que tem que parar pra acertar. Mas o garimpeiro não é disso, é aquele cidadão pacato, humilde, acostumou a sofrer”, o ex-senador diz ao grupo de garimpeiros.
Por repetidas vezes, Amorim destaca sua experiência na articulação política em Brasília e feitos de seus mandatos parlamentares, quando buscou autorizar a atividade garimpeira em Serra Pelada (PA).
Suas passagens por cargos públicos, no entanto, são marcadas por escândalos de corrupção, prisões e até mesmo agressões físicas contra um radialista e, anos depois, contra um policial militar. Além de ter o mandato de senador cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Amorim já foi acusado de participar de uma rede de tráfico de cocaína (que levou à prisão sua ex-mulher) e também já foi preso por um esquema de corrupção na prefeitura de Ariquemes, onde foi prefeito por duas vezes.
Nos áudios enviados ao grupo de WhatsApp, Amorim responde aos seus interlocutores se referindo a eles como “o amigo que falou agora” ou “a nossa turma aqui”. Dirige-se nominalmente, no entanto, a duas lideranças que representam os garimpeiros.
Uma delas é “Zé Altino” (líder garimpeiro na Amazônia conhecido pela invasão de território Yanomami nos anos 1980, José Altino Machado). A outra é nomeada apenas como “Vilela”, garimpeiro que mantém explorações na região de Moraes de Almeida, no município de Itaituba (PA).
“É quase impossível a pessoa hoje, a não ser que pague e compre os órgãos, quase impossível tirar uma licença hoje pra garimpar, e fora as áreas que quase todas que você vai garimpar já tem registro de subsolo e outras documentações […]. Esse problema perdura aí no Brasil desde que foram criadas essas leis”, diz Vilela em um áudio para o grupo.
Em outra mensagem, ele cumprimenta Zé Altino e fala da importância da reunião com o ministro da Casa Civil em Brasília. “[Vamos] traçar metas no que eles vão propor para nós”, diz. “Estou aqui carregando maquinário para levar pro garimpo ali, pro ouro”, Vilela conta no mesmo áudio.
A reportagem tentou contatar Ernandes Amorim por três números de telefone, mas não obteve retorno. A reportagem também ligou para o celular de Vilela, que não atendeu.
Conteúdo (FOLHAPRESS)