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Os níveis reservatórios de água que abastecem as cidades da Região Metropolitana de São Paulo começa a preocupar parte dos especialistas, que acendem o alerta para a possibilidade de uma nova crise hídrica. A situação atual é a pior pelo menos desde 2015, quando o estado ainda se recuperava de sua mais recente crise hídrica e o Cantareira fazia uso de sua reserva técnica — conhecida como volume morto.
Até o último domingo (6), de acordo com a Sabesp (companhia de Saneamento de SP), o volume total armazenado nos sistemas que abastecem a Região Metropolitana era de 43,5%. No Sistema Cantareira, responsável por abastecer cerca de 9 milhões de pessoas segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), esse índice era de 31,3%.
Em dezembro de 2019 o sistema operava com 55,8% de seu volume total e o Cantareira com 37,8%; um ano antes, esses índices eram de 48,7% e 38,1%, respectivamente; em 2017, o volume total era de 51% e o Cantareira tinha 44%; em 2016 o sistema trabalhava com 49,6% de sua capacidade total enquanto seu principal reservatório estava com 44,6%. em 2015, ainda sob os efeitos da crise hídrica, o sistema estava em 15,4% de sua capacidade, enquanto o Canteira estava em -8,8%.
A situação atual coloca o Cantareira na Faixa 3 – Alerta da classificação definida pela ANA e o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), que determina as condições de operação do sistema.
Essa classificação divide o sistema em cinco faixas, sendo a primeira (considerada normal) quando o volume útil acumulado for igual ou superior a 60% e a quinta e última (a chamada faixa especial) quando o acumulado for inferior a 20%.
“A gente corre, sim, um risco grande de uma nova crise hídrica pelo menos até metade de 2021”, disse à CNN o professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, Pedro Côrtes.
“Não temos esse risco imediato, mas pode ser que a gente entre no período de estiagem, a partir de março, com uma situação difícil e tenha dificuldade em vencer o outono, o inverno e até o começo da primavera, quando esse volume pode começar a se recompor”, acrescenta.
Outro ponto levantado pelo especialista é que, desde o final da crise hídrica, o Sistema Cantareira não foi capaz de se recuperar totalmente e voltar a patamares superiores a 65% de sua capacidade total.
Em 2020, o nível de chuvas no Sistema Cantareira ficou abaixo do esperado em 8 de 11 meses, considerando dados da Sabesp de janeiro a novembro. Além disso, em dois deles (maio e julho) choveu menos de 20% da média histórica e em abril choveu apenas 3% do esperado para o período.
Ao todo, o acumulado de precipitação foi de 957,5 mm, ou cerca de 72% dos 1326,8 mm projetados de acordo com a média histórica. Em comparação com 2019 – que também registrou chuvas abaixo do esperado –, de janeiro a novembro daquele ano foram registrados 1171,5 mm de chuvas, equivalentes a 88% do projetado para o período.
O conjunto de mananciais que abastecem a Região Metropolitana de SP é formado pelo sistema Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande, Rio Claro e São Lourenço.
Alternativas
Já o engenheiro sanitarista Eduardo Pacheco destaca que além da crise no volume de água captada é preciso observar a qualidade. Ele também disse que as medidas adotadas pelo governo para buscar água em locais distantes podem causar desequilíbrio na bacia hidrográfica.
“Recentemente entrou em operação um novo sistema, o São Lourenço, que tem uma adutora de 84 quilômetros. Ficamos fazendo transposição de bacias o tempo todo e isso gera um desequilíbrio”, afirmou Pacheco.
Pacheco diz que uma alternativa seria tratar a água dos rios que cruzam a cidade de São Paulo, incluindo o Tietê e o Pinheiros, e reutilizá-la na composição do volume dos mananciais de abastecimento, mas que para isso antes seria preciso tratar 100% do esgoto no município.
Estima-se que mais de 95% da população de São Paulo recebe atendimento de coleta de esgoto, mas que apenas cerca de 65% desses esgotos é tratado.
“Se nós tratássemos todo o esgoto poderíamos produzir uma água para voltar para os mananciais de abastecimento. Seria a melhor coisa a fazer [para depender menos das chuvas]”, afirmou Pacheco. “Mas hoje grande parte do esgoto que chega ao Rio Tietê, por exemplo, ainda está in natura, ou seja, sem qualquer tratamento.”
Essa possibilidade de aproveitar as águas dos rios para compor o volume dos mananciais também é defendida pelo ambientalista e permacultor Adriano Sampaio. Para ele, as centenas de rios que cruzam a cidade também poderiam ser utilizadas neste sentido, desde que despoluídos.
“Se tivéssemos saneamento básico universal poderíamos fazer ecobairros, com miniestações de tratamento de água e esgoto, e poderia haver uma logística de distribuição local dessa água, especialmente nas periferias”, afirmou.
“Temos que rever essa lógica de buscar água longe, que vai ficar cada vez mais inviável. O que temos que fazer é recuperar nossos rios, temos mais de 300 na capital e vários locais que poderiam servir como mini reservatório”, completou.
Prazo maior
Nem todos os especialistas, no entanto, consideram que estamos a caminho de uma crise hídrica no curto prazo. Para o Antonio Carlos Zuffo, professor de hidrologia e recursos hídricos da Unicamp (Universidade de Campinas) e membro da Aliança Tropical de Pesquisa da Água (TWRA), a próxima crise no abastecimento de água deve acontecer entre 2025 e 2027.
Ele fez essa estimativa considerando os efeitos do Ciclo de Schwabe – uma série de fenômenos determinados pelo sol que ocorrem em intervalos de aproximadamente 11 anos. “Observamos que essa seca tem uma média de ocorrência a cada 11 anos. A última que aconteceu foi em 2014/15, se você somar 11 anos vai dar lá para 2025, 2026, talvez até 2027. Então, acredito que vamos ter problema, sim, na próxima década”, afirmou.
“Agora, o nível do Cantareira está muito baixo, mas nós acabamos de entrar no período chuvoso e ele deve se recuperar. Os demais reservatórios estão com níveis razoáveis. E eles são pensados para manter o abastecimento para até 3 a 4 anos com chuvas abaixo da média”, explicou.
O que diz a Sabesp?
Questionada pela CNN sobre a situação atual do Sistema Cantareira a Sabesp disse que deve ser avaliado o sistema todo. “Considera-se o volume total porque o sistema é integrado e flexível, permitindo transferências entre os diversos reservatórios para abastecer diferentes regiões”, afirmou a empresa, em nota.
“A queda no nível das represas, inclusive do Sistema Cantareira, é normal durante o período de estiagem todos os anos. Em 2020, contudo, o volume de chuvas está abaixo da média histórica e já é o menor desde 2014. Por esse motivo, a Sabesp reforça à população que use de forma consciente a água, evitando desperdícios. Essas orientações são feitas pela empresa todos os anos em campanhas na TV, redes sociais e informações à imprensa”, continuou o texto.
A Sabesp, responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos em 375 municípios do estado de São Paulo, afirmou que as obras realizadas durante a crise hídrica de 2014 também dão “maior segurança de abastecimento”.
A empresa citou entre essas obras a Interligação Jaguari-Atibainha (que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira), a entrada em operação do Sistema São Lourenço, a criação de novos reservatórios de água tratada, ampliando a capacidade de reservação em 240,5 milhões de litros e a instalação de novas adutoras de água para assegurar abastecimento especialmente na zona oeste e zona norte da Grande SP.
*Com informações de CNN Brasil