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No livro ‘O Processo’, de Franz Kafka, é narrada a história de Josef K., um bancário que é processado sem saber o motivo. As circunstâncias de sua acusação, a lei pela qual estava sendo enquadrado e até mesmo a Corte de julgamento permanecem anônimas.
Ao longo do livro, K. luta obstinadamente para ter acesso aos autos do ‘processo’ em que, supostamente, figurava como réu, de forma que pudesse ter conhecimento dos motivos pelos quais estava sendo processado e, por conseguinte, tivesse condições de se defender.
Os empecilhos encontrados por Josef K. são inúmeros e extremamente bizarros. O personagem se vê enredado em uma completa distopia, muito semelhante a pesadelos para lá de confusos.
A infeliz semelhança do caso Eustáquio com o romance de Kafka
Oswaldo Eustáquio, 42, jornalista e pai de 3 filhos, está em regime de prisão domiciliar (antes estava em prisão preventiva) por decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF) no âmbito do controverso inquérito dos atos “antidemocráticos”, que investiga supostas ações de “extremismo do discurso de polarização contra o STF e o Congresso Nacional”.
O jornalista não é denunciado, não é acusado formalmente e tampouco tem acesso aos autos do processo, conforme informado por sua defesa, mas segue preso, de forma domiciliar, e com diversas restrições como, por exemplo, não receber visitas e não acessar as redes sociais.
Por que não fora denunciado? Por que não há acusação formal? Por que não é concedida à sua defesa amplo acesso aos autos do processo? Por que sua manutenção em prisão domiciliar?
São perguntas que, até o momento, carecem de respostas. Tais lacunas só demonstram a fragilidade do inquérito, que mais parece ser utilizado como arma de perseguição pessoal por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal. É o judiciário atuando – concomitantemente – como vítima, investigador, juiz e carrasco.
Recentemente, o juiz desembargador do estado do Paraná, Gamaliel Seme Scaff, utilizou suas redes sociais para lamentar e demonstrar preocupação com os rumos que o caso do jornalista vem tomando. Scaff afirma que “isto não é democrático. Isto não é justo. Isto não é humano. Isto não é direito. Lamentável o silêncio da OAB sobre isto”. Sobre a forma de como o caso vem sendo conduzido, Scaff diz que “Justiça sem misericórdia não é justiça. Justiça sem o devido processo legal é inconstitucional”.
É o todo-poderoso Estado agindo desproporcionalmente contra um cidadão comum, pai de família e sem antecedentes criminais.
A obra de Kafka, entre outras interpretações, nos permite refletir sobre o quão danoso é para a democracia quando as próprias instituições, que deveriam resguardar e garantir os direitos dos cidadãos, agem de forma ilegal e autoritária.
Urge que esse caso chegue logo ao fim, e que a série de atropelos a direitos e garantias fundamentais do jornalista seja interrompida. Que o ministro relator do inquérito, Alexandre de Moraes, repense sua conduta, que vem colocando em xeque a reputação e a credibilidade da mais alta Corte do país, que é o Supremo Tribunal Federal.
Que o cenário kafkiano fique apenas nos romances, e não na realidade.