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Depois do fim da série de depoimentos conduzidos a portas fechadas por representantes de três comissões da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, e dos testemunhos dados diante das câmeras na Comissão de Inteligência, o inquérito que pode levar ao impeachment do presidente Donald Trump chega a sua fase decisiva.
O presidente é acusado de pressionar o governo da Ucrânia para lançar uma investigação sobre a participação de um filho do ex-vice-presidente Joe Biden, Hunter, na direção de uma empresa no setor de energia do país. Biden é um dos favoritos para vencer a disputa interna no Partido Democrata para concorrer contra o presidente na eleição de 2020.
Até o início da semana que vem, após o feriado prolongado do Dia de Ação de Graças , que começa nesta quinta-feira, o presidente da Comissão de Inteligência, o democrata Adam Schiff , vai finalizar o relatório resumindo as últimas semanas e apresentando suas conclusões. Esse texto vai servir de base para a Comissão de Justiça decidir se o caso vai ou não a votação no plenário para a abertura formal de um processo de impeachment.
“Trabalhamos de forma intensa e descobrimos uma grande quantidade de evidências em um curto prazo, apesar dos enormes esforços para obstruir a investigação pelo presidente e seu governo”, afirmou Schiff em carta enviada aos deputados na segunda-feira.
Por suas declarações ao longo do processo, não é difícil imaginar que o relatório deverá indicar que o presidente cometeu atos que se enquadram nas definições do Artigo 2º, Seção 4 da Constituição dos EUA — o trecho que define as regras para o impeachment.
A Carta estabelece que o presidente “deve ser removido do cargo através de um impeachment se condenado por traição, suborno e outros altos crimes”, definição que vem desde a fundação do país.
“A maneira como a maior parte das pessoas define “altos crimes” é o abuso de suas funções no cargo. A maior preocupação dos fundadores [dos EUA] era com uma ou duas coisas: influência estrangeira no governo e o presidente usar o cargo para enriquecer”, afirma o cientista político Sandy Maisel, da Universidade Colby (EUA).
Professor de Direito da Universidade do Missouri, Frank Bowman III lembra que, apesar do nome, não é necessário cometer um crime para ser acusado de ” altos crimes “.
— Há crimes que podem levar ao impeachment e há outros crimes onde isso não acontece. Mas há muitas coisas que não violam a lei que podem ser alvo de impeachment. Vou dar um exemplo: se um dia o presidente decidir que vai para a Flórida ficar fora por três meses, não vai trabalhar por três meses. Não é um crime, mas ele deve sofrer impeachment. Falamos mais de questões políticas, de ordem constitucional.
Comissão de Justiça
Seguindo o rito estabelecido e aprovado pelo plenário , o relatório com as conclusões de Schiff deve ser apresentado à Comissão de Justiça. É ali que será definido se os fatos se encaixam nas definições constitucionais de impeachment e quais serão as acusações formais.
A tarefa caberá ao presidente da comissão, o democrata Jerry Nadler . Em julho, ele afirmou em uma entrevista à CNN que o presidente “merecia sofrer impeachment”, referindo-se ao relatório elaborado pelo promotor especial Robert Mueller, que investigou a interferência russa nas eleições de 2016.
Na terça-feira, Nadler anunciou as linhas de ação. A primeira delas foi a confirmação dos primeiros depoimentos na Comissão de Justiça a partir de 4 de dezembro, e o convite ao próprio Trump para comparecer .
Além do presidente, novas testemunhas podem ser chamadas, inclusive do lado republicano. A expectativa é de que o processo se estenda por algumas semanas, até que Nadler defina se o caso (ou casos) deve ser levado ao plenário ainda este ano. A aprovação é dada como certa, e, com isso, o caso vai para o Senado, de maioria republicana.
Júri no Senado
Nesta Casa, o plenário serve como um júri, que terá diante de si a acusação, feita por representantes da Câmara, e a defesa do presidente, com as sessões conduzidas pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts . Os senadores já começaram a discutir os detalhes, incluindo o formato dos depoimentos e a participação de cada um dos lados.
Para que Trump seja afastado, são necessários dois terços dos votos do plenário, ou 67 senadores, algo que jamais aconteceu.
Um fator crucial é o grau de apoio popular ao processo. Hoje existe uma clara divisão entre os que querem a saída de Trump e quem é contra. Segundo pesquisa divulgada na terça-feira, da agência Reuters em parceria com o instituto Ipsos, 47% dos americanos defendem o afastamento, enquanto 40% rejeitam a ideia. Um ponto a se ressaltar, porém, é a polarização: oito em cada dez democratas aprovam a saída de Trump — por outro lado, oito em cada dez republicanos querem que ele termine o mandato.
Os números apresentaram uma pequena variação após o início dos depoimentos televisionados, que expuseram a milhões de americanos evidências de como Trump e pessoas ligadas a ele criaram uma espécie de “diplomacia paralela” com os ucranianos, conduzida por seu advogado pessoal, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani.
Um dos pontos centrais é a suspensão de um pacote de ajuda de US$ 391 milhões a Kiev, com o dinheiro sendo usado como moeda de troca por uma investigação contra Biden e o filho. Trump, por sua vez, diz que tudo não passa de uma “caça às bruxas”. Esse cenário polarizado, na visão de Sandy Maisel, mostra como as chances de sucesso do presidente são grandes no Senado.
“A opinião pública está bem dividida. Se novos depoimentos podem mudar esse cenário, acho que vai depender de como as lideranças republicanas veem tudo isso. Se o embaixador (John) Bolton eventualmente testemunhar e falar sobre coisas que o presidente fez, isso pode influenciar outros republicanos”, afirmou Maisel, referindo-se ao ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump. “Ao mesmo tempo, em um cenário tão dividido, é difícil um depoimento como o de Bolton produzir o que se chama de “prova definitiva. Não vejo como isso possa acontecer agora”.
Maisel também lembra o papel das eleições do ano que vem. Se não houver um fato definitivo comprovando a culpa de Trump, os democratas que vêm de distritos com grande concentração de partidários do presidente vão pensar duas vezes. Por outro lado, um voto governista em um distrito tradicionalmente democrata pode ser considerado uma traição:
“Não sei quais padrões os senadores irão usar, por isso cito o exemplo do Maine. O voto da senadora Susan Collins (republicana) será crucial nesse cálculo. Ela é vista como de centro e honestamente acredito que se ela votar contra o impeachment perderá sua cadeira no Senado, porque vai enfrentar uma eleição muito disputada. Se votar a favor, será reeleita. É um outro tipo de cálculo político”.
Por O Globo