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Os cigarros eletrônicos (vapes) são frequentemente vistos como inofensivos, mas estão longe de ser apenas vapor de água com sabor. Eles contêm centenas de substâncias, muitas das quais são tóxicas. O conteúdo exato desses dispositivos ainda não é totalmente conhecido, mas pesquisadores identificaram, pela 1ª vez, uma substância semelhante à anfetamina, uma droga sintética que potencializa o vício.
Embora proibidos no Brasil, os cigarros eletrônicos entram ilegalmente, principalmente pelas fronteiras, alimentando um mercado milionário, segundo a polícia. Devido às diversas origens, é difícil determinar exatamente o que esses dispositivos contêm, pois muitas substâncias não são listadas nas embalagens.
A fim de entender melhor os riscos a que as pessoas estão expostas, a Universidade Federal de Santa Catarina e a Polícia Científica do estado realizaram uma pesquisa. Eles conseguiram identificar a octodrina, uma substância da mesma família da anfetamina, em três marcas diferentes em circulação no Brasil. A octodrina foi encontrada ao lado de outras substâncias, como glicerol, propilenoglicol, formaldeído, acetaldeído, acroleína, acetona e nicotina, todas tóxicas e algumas cancerígenas. A nicotina, em particular, atua como um agente viciante.
Especialistas alertam que os cigarros eletrônicos estão criando uma geração de viciados cada vez mais jovens. A incerteza sobre as substâncias e suas quantidades no mercado ilegal é um dos argumentos da indústria para tentar reverter a proibição, embora médicos e especialistas em saúde sejam contra essa ideia.
Um dos desafios da pesquisa é a obtenção legal dos cigarros eletrônicos, o que exige autorização de órgãos reguladores, um processo burocrático e demorado. A Polícia Científica de Santa Catarina, em parceria com a universidade, conseguiu os dispositivos apreendidos para análise. Eles examinaram dez dispositivos de três marcas diferentes e encontraram octodrina, uma substância semelhante à anfetamina, em todos eles, sem qualquer menção a essa substância nas embalagens, o que significa que os consumidores estavam utilizando-a sem saber.
A octodrina, uma substância da mesma família da anfetamina, atua no sistema nervoso central, causando agitação e afetando o sistema cardiovascular, provocando taquicardia. A pesquisadora Camila Marchioni destaca que a octodrina pode aumentar o potencial de vício dos cigarros eletrônicos, tornando ainda mais difícil parar de fumar, o que representa um risco significativo.
Os resultados da pesquisa ainda são preliminares, e é necessário determinar a quantidade de octodrina presente nesses dispositivos. No entanto, o fato de ela ter sido identificada levanta preocupações sobre os riscos à saúde pública. Thiago Luis Silva, perito da polícia científica, enfatiza que as pessoas estão utilizando substâncias perigosas sem saber, acreditando erroneamente que estão inalando apenas vapor d’água.
A Anvisa reforça que os dispositivos são proibidos no país, assim como sua comercialização. Embora o cheiro agradável da fumaça possa enganar, especialistas alertam que não se trata de vapor inofensivo. No exterior, onde a maioria dos dispositivos consumidos no Brasil é fabricada, as substâncias mais comuns incluem glicerol, propilenoglicol, formaldeído, acetaldeído, acroleína, acetona e nicotina.
O sistema aberto dos vapes permite que qualquer pessoa manipule o líquido, adicionando diferentes substâncias, o que torna difícil controlar as quantidades, incluindo a da nicotina. Uma pesquisa recente realizada pela Vigilância Sanitária de São Paulo em parceria com o Instituto do Coração (Incor) e o Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Medicina da USP revelou que usuários de vape possuem de três a seis vezes mais nicotina no organismo.
Nos Estados Unidos, em 2019, dezenas de pessoas morreram após consumir vapes, sendo que algumas delas usaram dispositivos contendo THC, o princípio ativo da maconha, e vitamina E, que ao ser inalada causou graves complicações pulmonares.
Adriana Gioda, pesquisadora da PUC do Rio de Janeiro, enfatiza que o maior desafio é determinar o que está presente no vapor dos cigarros eletrônicos no Brasil. Além da burocracia, a falta de tecnologia adequada dificulta a análise do vapor produzido pelos dispositivos. Embora as evidências já indiquem que os cigarros eletrônicos são prejudiciais, ainda é necessário entender melhor os riscos para a saúde pública, especialmente considerando o uso crescente entre adolescentes.
Margareth Dalcolmo, médica pneumologista e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), destaca que o vício em cigarro eletrônico é um risco para a saúde pública, com a criação de uma nova geração de fumantes. Ela alerta que os dispositivos contêm nicotina em quantidades muito elevadas, além de substâncias cancerígenas, e que o cigarro eletrônico não é uma alternativa segura ao cigarro tradicional.
No Brasil, a Evali, doença pulmonar causada pelos cigarros eletrônicos, não é de notificação obrigatória, o que resulta em subnotificações. Segundo a Anvisa, até agora foram registrados nove casos.
Por outro lado, a indústria argumenta que a proibição permite que cigarros eletrônicos sem qualquer controle circulem no país. Esse ponto foi discutido no projeto de lei em tramitação no Senado Federal que visa permitir o comércio desses dispositivos no Brasil, mas foi refutado por médicos e especialistas, que citaram o aumento do uso entre adolescentes em países onde os vapes são permitidos, como o Reino Unido e os Estados Unidos.
Apesar da proibição, é fácil encontrar cigarros eletrônicos sendo vendidos ilegalmente. Segundo o IBGE, quase 17% dos estudantes entre 13 e 17 anos já experimentaram o cigarro eletrônico. A demanda crescente tem sobrecarregado a fiscalização, que não consegue conter o volume de produtos contrabandeados, especialmente pelas fronteiras do país.
De acordo com a polícia, o mercado ilegal de cigarros eletrônicos é milionário e vem atraindo a atenção de criminosos. Em julho, a polícia civil do Espírito Santo prendeu um dos maiores vendedores de cigarros eletrônicos do estado, cujas vendas em pouco mais de dois meses ultrapassaram R$ 500 mil. Em abril, a Anvisa reforçou a fiscalização e o combate à importação ilegal desses dispositivos, especialmente nas fronteiras com a Bolívia. Segundo a Receita Federal, de janeiro a abril deste ano, foram apreendidas 615 mil unidades, totalizando R$ 27 milhões.