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Organizações não governamentais (ONGs) que estão sob suspeita de desvios na investigação da máfia das creches administram unidades de ensino que atendem quase 20 mil alunos e recebem cerca de R$ 300 milhões por ano da Prefeitura de São Paulo.
Um levantamento feito pelo site Metrópoles identificou 34 entidades conveniadas ao município que estão ligadas a pessoas indiciadas pela Polícia Federal (PF) por supostamente fazerem parte do esquema, controlando 131 unidades de ensino. Esses indiciamentos foram formalizados em um relatório final da investigação concluído em julho deste ano.
A maioria dos indiciados ocupa cargos de liderança nas entidades e é suspeita de desviar dinheiro destinado à compra de alimentos e materiais para as crianças, utilizando empresas que emitem notas fiscais falsas. Essas fornecedoras recebem os recursos das ONGs e, em seguida, devolvem parte deles a contas pessoais ou de empresas ligadas aos dirigentes.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirma que a prefeitura forneceu documentos à PF que embasaram a operação e aguarda o andamento das investigações e o compartilhamento de informações pela Justiça Federal para analisar possíveis desdobramentos no âmbito municipal. A PF indiciou 116 pessoas por suposta participação em um esquema que movimentou R$ 1,5 bilhão em cinco anos.
O caso ganhou destaque durante as eleições municipais, uma vez que Ricardo Nunes foi alvo da investigação por ter recebido valores de uma das empresas suspeitas de emitir notas fiscais frias. Embora não tenha sido indiciado no inquérito, a PF e o Ministério Público Federal (MPF) solicitaram à Justiça a continuidade das investigações sobre o prefeito e uma entidade relacionada a ele, o que Nunes nega.
O levantamento do Metropoles analisou milhares de páginas do inquérito da PF e cruzou os nomes das ONGs ligadas aos indiciados com a base de dados mais atualizada de convênios da prefeitura. As entidades identificadas administram 133 unidades de ensino infantil, com contratos aprovados, incluindo dois firmados neste ano.
Entre as entidades mencionadas está o Instituto Ama São Paulo (Amasp), que, segundo dados da prefeitura, gerencia 12 unidades com quase 2 mil alunos. A ONG recebe mensalmente R$ 2,4 milhões, a maior quantia entre as citadas. O relatório da PF detalha o fluxo de dinheiro da Amasp, revelando que o esquema contava com empresas que atuavam como “noteiras”, conferindo uma falsa legalidade ao dinheiro desviado.
A Amasp e suas filiais realizaram repasses de R$ 2,1 milhões para duas empresas indicadas como “noteiras” pela polícia, a Tag Distribuidora e a Distribuidora Paulista Delivery. O presidente da Amasp, Leandro de Lucas, foi apontado como destinatário de R$ 1,8 milhão dessas empresas. Indiciado por lavagem de dinheiro, Lucas alegou em depoimento que utilizava recursos próprios para compras para as creches e que os valores recebidos eram ressarcimentos, mas a polícia não aceitou suas justificativas, apontando uma “clara confusão” na gestão dos recursos.
O indiciamento de Lucas ocorreu em 2021 e, desde então, os contratos com a entidade foram renovados e ampliados. A análise do Metrópoles também mostrou que a zona leste, onde a Amasp está sediada, é a região com o maior volume de recursos destinados a entidades suspeitas. Dos R$ 26 milhões alocados a 34 ONGs, R$ 14 milhões são direcionados a organizações na zona leste.
Outra entidade que aparece no relatório da PF é a Associação de Desenvolvimento Infantil (Adeji), que recebe R$ 2 milhões mensais para administrar oito unidades de ensino. A presidente da Adeji, Edmarcia Ferreira, também foi indiciada pela PF. A investigação revelou que a ONG fez repasses de R$ 718 mil para empresas identificadas como “noteiras”, e há registros de remessas de R$ 228.347,82 da empresa de Francisca Jaqueline Oliveira Braz para Edmarcia.
Francisca Jaqueline é apontada como uma das “noteiras” da máfia das creches e, durante o período da investigação, movimentou quase R$ 163 milhões. O endereço da proprietária era um condomínio simples no extremo leste da cidade. Entre os cheques identificados, dois, no valor de R$ 5.795,08, foram depositados na conta de Ricardo Nunes, assim como uma remessa de R$ 20 mil para a Nikkey, uma empresa extinta da família do prefeito. Nunes negou irregularidades e afirmou que sua antiga empresa prestava serviços à Francisca Jaqueline.
A entidade Acria, próxima ao prefeito, fez repasses de R$ 2,5 milhões para a empresa Francisca Jaqueline e recebeu R$ 1,3 milhão de volta. Apesar de a PF não ter indiciado pessoas ligadas à Acria, a continuidade das investigações foi considerada necessária. Atualmente, a Acria administra 10 creches, conforme o cadastro da prefeitura.
Uma das descobertas da PF sobre as empresas “noteiras” é que elas declaravam vendas superiores ao que possuíam em estoque. A Tag Distribuidora, que estava localizada na zona leste e já foi extinta, exemplifica essa situação, apresentando vendas de R$ 15.941.163,31 no período de 2016 a 2020, 49.291% superiores às suas aquisições, que totalizaram apenas R$ 32.275,29.
A gestão Nunes afirmou ao Metrópoles que já descredenciou 470 creches desde 2019 “em razão do não atendimento dos requisitos de contratação de unidades conveniadas”: “A Controladoria Geral do Município abriu processos de responsabilização de pessoa jurídica, com base na Lei Anticorrupção, e aplicou multas e punições a organizações sociais”.
Em resposta ao portal, o departamento jurídico do Amasp afirmou que “sempre pautou suas ações pelo mais estrito respeito à legislação vigente e à transparência nos contratos e parcerias firmados, sejam com entidades públicas ou privadas”: “Sobre os questionamentos levantados, gostaríamos de reforçar que, apesar de nosso desejo de fornecer esclarecimentos mais amplos, estamos legalmente impedidos de comentar detalhes sobre qualquer investigação em andamento devido ao segredo de Justiça que envolve o processo. Este é um caso que envolve diversas instituições e indivíduos e, por isso, seguimos à disposição das autoridades competentes para colaborar de forma plena e transparente”.