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RFI – Milhares de argentinos se manifestam com panelas nas janelas e com buzinas pelas ruas contra o discurso do presidente Alberto Fernández, que minimizou o caso de vacinas desviadas para pessoas próximas ao poder nesta segunda (1°). O panelaço acontece dois dias depois de maciças manifestações que pediram a renúncia de todos os envolvidos.
O país aguardava uma autocrítica por parte do presidente argentino durante o seu discurso de abertura do ano legislativo no Congresso, mas, em vez disso, Alberto Fernández minimizou a gravidade do escândalo, provocando uma forte reação popular durante a noite nas principais cidades do país, especialmente em Buenos Aires.
Depois das 20 horas e por cerca de 20 minutos, das varandas, das janelas e dos automóveis, ecoaram o som metálico das panelas e o de uma improvisada sinfonia de buzinas em tom de protesto. Todos atendiam à campanha que tinha começado a circular através das redes sociais sob o lema “É suficiente! Dizemos Basta!”.
Em frente à residência presidencial, manifestantes levaram as panelas à rua numa tentativa de se fazerem escutar por Alberto Fernández, que classificou como “um erro” o esquema de vacinas aplicadas em ministros, legisladores e políticos aliados fora da prioridade estabelecida para o pessoal da Saúde e idosos.
“No nosso plano de vacinação, há prioridades muito claras. As regras devem ser cumpridas. Se forem cometidos erros, a vontade deste presidente é a de reconhecê-los e a de corrigi-los de imediato”, discursou Alberto Fernández, que deu o escândalo por encerrado, no dia 19 de fevereiro, com a renúncia do então ministro da Saúde, Ginés González García.
“Tomei as decisões que cabiam. Todos os governos sensíveis têm a obrigação de corrigir esses erros para acabar com qualquer indício de privilégio ou de falta de solidariedade”, completou Fernández no que foi considerado uma autocrítica superficial.
“Não foi um mero erro. Foi um planejamento de vacinação de privilégio que agora o presidente tenta minimizar. O alcance completo do esquema ainda está por ser revelado”, garante à RFI Brasil o médico neurologista e analista político, Nelson Castro.
Segunda manifestação em dois dias
O repúdio à falta de punição aos culpados já tinha motivado um forte protesto no sábado (27), quando milhares de pessoas foram às ruas para exigir a renúncia coletiva de todos os envolvidos no escândalo denominado “Vacinação VIP”.
O protesto teve epicentro na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, e réplicas nas principais cidades do país. Bandeiras argentinas, buzinas, cornetas e panelas compuseram um cenário de indignação.
Segundo uma lista divulgada pelo próprio governo, 70 “amigos do poder”, incluindo ministros, ex-ministros, legisladores, um embaixador (no Brasil), um ex-presidente e vários parentes dos beneficiados foram imunizados com as vacinas que pertenciam, por ordem de prioridades, ao pessoal da Saúde e aos idosos.
Indignação, raiva e nojo
Segundo a consultora Synopsis, mais de 70% dos argentinos não acreditam que a lista esteja completa, sobretudo porque, em diversos municípios, prefeitos e seus parentes foram vacinados, além de centenas de militantes aliados ao governo.
Consultados pela Synopsis sobre o sentimento que o escândalo desperta em cada um, 19,4% dos entrevistados responderam “indignação”; 12,7%, “raiva”; e 9,2% disseram ter “nojo”.
O presidente Alberto Fernández criticou a manifestação de sábado em plena pandemia e pediu aos seus seguidores que não saíssem de casa.
“Cuidemos do próximo mesmo que outros não o façam”, disse Fernández.
“Quando Alberto Fernández pede que cuidem do próximo, mas vacina os amigos privilegiados, provoca ainda mais uma reação popular. É muito cinismo. Cada vez mais perde capital político e popularidade”, avalia a analista política Sabrina Ajmechet, da Universidade de Buenos Aires.
“Este é um protesto muito tangível porque o escândalo afeta de perto todas as pessoas que entendem que as vacinas desviadas eram para os seus pais, avós, amigos ou conhecidos de grupos de risco. E o escândalo abala um dos principais pilares da democracia: o da igualdade”, conclui Ajmechet.