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Via BBC News
Para o juiz federal norte-americano Peter Messitte, nome frequente em mesas redondas e debates organizados em Washington quando o assunto é o Brasil, os “diálogos (expostos pelo site jornalístico The Intercept Brasil) expõem principalmente um problema de privacidade, e não de promiscuidade”.
Messitte viveu no Brasil nos anos 1960, teve um filho na capital paulista, lecionou na Universidade de São Paulo (USP), especializou-se na legislação brasileira e conviveu com ex-presidentes e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conheceu o então colega de toga Sergio Moro em 2016, durante um seminário, e mantém contato com o atual ministro da Justiça e Segurança Pública desde então.
Para Messitte, habitual defensor da operação Lava Jato nos Estados Unidos, a interceptação de mensagens privadas trocadas por autoridades chama mais atenção do que o próprio conteúdo no caso dos supostos diálogos entre Moro, o procurador-chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e outros membros do Ministério Público Federal.
“Já tive conversas muito parecidas e isso nunca comprometeu meus casos”, afirma o magistrado, que foi nomeado juiz pelo distrito de Maryland pelo então presidente Bill Clinton, nos anos 1990. “Revogar decisões de Moro na Lava Jato (com base nos vazamentos) seria um erro muito sério.”
“Procuradores conversam com juízes. Existe uma interação frequente que, fora de contexto, pode ser vista como inapropriada, mas que em geral não afeta a essência das matérias (jurídicas).”
Na opinião do juiz, “funcionários do governo precisam de uma zona de privacidade para trabalhar de modo a não congelar suas operações”.
Desde a divulgação das primeiras reportagens do Intercept, no domingo (9), Sergio Moro tem dito que não reconhece a autenticidade das mensagens. Moro também tem repetido que os supostos diálogos foram “colhidos por meio de invasão criminosa de hackers”, e que as mensagens “podem ter sido adulteradas e editadas”.
“Reitera-se a necessidade de que o suposto material, obtido de forma criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada”, disse Moro através de uma nota do Ministério da Justiça, no dia 15 de junho.
O Código de Processo Penal brasileiro, em seu Artigo 254, estabelece que o juiz seja considerado suspeito “se tiver aconselhado qualquer das partes”.
Nos diálogos divulgados, Moro teria, por exemplo, sugerido a Dallagnol inverter a ordem de fases da Lava Jato, bem como reclamado da frequência das operações.
Também teria criticado a atuação de uma das procuradoras – que mais tarde deixou de participar do primeiro depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Curitiba, em maio de 2017.
As conversas vazadas mostram também que o ex-juiz teria recomendado ao procurador, em dezembro de 2015, uma possível testemunha a ser ouvida em processo contra Lula.
A reportagem lembra ao magistrado americano que a legislação brasileira proíbe que juízes passem orientações a procuradores sobre como o Ministério Público deveria atuar em processos – um dos argumentos levantados pelo Intercept para apontar suposta suspeição de Moro e Dallagnol.
“Existem situações específicas e nem tudo está escrito na Constituição ou nas leis. Eu tenho total tranquilidade sobre minhas decisões e ficaria horrorizado em pensar que alguém pudesse ter acesso a todas as minhas conversas – assim como você e qualquer um ficaria”, diz.
“Sobre o argumento de suspeição, é preciso lembrar que muitos dos condenados confessaram seus crimes.”, diz Messitte.
Ele ressalta que não considera tudo o que apareceu nos supostos diálogos “natural”.
“É justo que haja uma discussão sobre o suposto conteúdo. Há trechos que, dependendo do contexto, podem ser, sim, problemáticos. Mas o hackeamento de autoridades é algo muito sério. Veja o que aconteceu com (a ex-presidente) Dilma Rousseff. Não seria coerente que a preocupação com o acesso ilegal a dados privados fosse a mesma agora?”
O grampo de Dilma
O juiz se refere a um escândalo global de 2013, quando o jornalista Glenn Greenwald, fundador do Intercept, revelou como o governo de Barack Obama espionou comunicações de cidadãos americanos e estrangeiros, a exemplo da então presidente Dilma Rousseff (PT), ministros, diplomatas e membros do gabinete da petista.
O episódio gerou uma crise diplomática entre os dois governos. À época, Dilma chegou a cancelar uma viagem oficial aos Estados Unidos após a resistência da Casa Branca em pedir desculpas oficiais pelo episódio de espionagem.
Os documentos sobre a espionagem americana haviam sido obtidos pelo analista de segurança Edward Snowden e divulgados por Greenwald no jornal britânico The Guardian, que ganharia no ano seguinte com essas reportagens o principal prêmio jornalístico dos EUA, o Pulitzer – reconhecimento dividido com o jornal americano Washington Post.
“Hackeamento é crime e deve ser punido”, repete o juiz americano. “Eu não ficaria surpreso se houvesse interferência estrangeira. É absolutamente possível que tenha vindo de outro país.”
“É assustador”, ele continua. “Isso está acontecendo por toda parte, não só no Brasil. Mas não estou aqui para tomar posição e apontar culpados ou suspeitos.”
FHC e Fux
Mas o juiz classifica como “problemático” o trecho sobre a suposta menção ao ministro do STF Luis Fux nos diálogos entre Moro e Dallagnol.
“Reservado, é claro: O Min Fux disse espontaneamente que Teori (Zavascki) fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me para ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos (…)”, teria dito Deltan em mensagem encaminhada a Moro.
O juiz teria respondido: “Excelente. In Fux we trust (“Em Fux nós confiamos”, em tradução livre)”.
“Isso foi um pouco demais. Tenho respeito pelo Supremo, por Moro, pela procuradoria. Mas a frase de Dallagnol é problemática. Ele não deveria nem ter acesso a Fux”, diz Messitte.
Ao ser questionado sobre o tema no Senado, Moro afirmou não ver problema na mensagem porque ela é uma demonstração de apoio a um ministro de corte superior e à instituição. “Luiz Fux é um magistrado que respeito.”
Em 2017, o juiz esteve em São Paulo para participar de um debate sobre delações premiadas no Instituto Fernando Henrique Cardoso. A reportagem lembra que o ex-presidente foi citado em uma das reportagens.
Diálogo entre Moro e Dallagnol mostraria o então juiz federal questionando a força dos indícios – e a conveniência política – de investigações contra FHC.
Messitte comenta: “Supondo que essas declarações particulares sejam autênticas, qual era o contexto delas? Em qualquer caso, mesmo que autêntico e adequadamente visto no contexto, as declarações de alguma forma afetaram a essência dos direitos de qualquer acusado? Eu não vejo isso aqui”.
Moro e os EUA
Nos últimos três anos, durante visitas de Moro aos Estados Unidos e em trocas de e-mails, Messitte teve oportunidade de conversar com o ex-colega brasileiro sobre métodos de investigação, diferenças e semelhanças entre os sistemas judiciais dos EUA e do Brasil e o funcionamento das delações premiadas com o atual ministro.
“Eu e Moro temos uma relação cordial e eu o tenho em alta conta. Li todo o material e venho acompanhando o caso do Intercept. Não vejo nada que sugira que as penas devam ser anuladas.”
A última conversa, Messitte conta, aconteceu na última ida de Moro a Washington, quando o ministro acompanhou o presidente Jair Bolsonaro em viagem oficial aos EUA (em março).
“Conversamos muito sobre um caso de uma criança, filha de pai americano e mãe brasileira, que mora no Texas. Sou um representante federal e me pediu ajuda com informações sobre processos de extradição”, conta.
No caso específico, a mãe acusa o ex-companheiro de ter sequestrado a criança.
A reportagem pergunta sobre ilações frequentes em redes sociais sobre um suposto alinhamento entre Moro e o governo americano.
“Não tenho dúvida de que Moro trabalhou em conjunto com o Departamento de Justiça e a CIA. Mas não tenho qualquer razão para acreditar que ele estivesse sob controle dos EUA em suas ações. Sei, lendo seus trabalhos, que ele estudou como os processos contra corrução aconteciam em Nova York. Está escrito em sua biografia e ele já falou sobre isso várias vezes: parte da orientação sobre como combater a corrupção foi feita a partir da experiência em Nova York e do departamento de Justiça em Washington.”
O juiz prossegue, citando a operação Mãos Limpas, na Itália, principal inspiração da Lava Jato. “Ele tem várias referências e fontes, elas incluem os EUA, mas não se limitam a isso.”