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Prisões arbitrárias, censura e julgamentos coletivos: advogados comentam decisões que antecederam a morte de Clezão

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Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, faleceu no último 20 de novembro durante o banho de sol nas dependências da Penitenciária da Papuda, em Brasília, após sofrer um mal súbito. Ele não estava detido por crimes “comuns”. É provável que, se tivesse cometido atrocidades corriqueiras no Brasil, como assassinatos e estupros, talvez nem estivesse preso. Foi por participar dos atos políticos de 8 de janeiro que Clezão estava na cadeia.

Prisões arbitrárias e perseguições políticas têm ocorrido de forma intensa no Brasil desde o final de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal iniciou o inquérito que abriu as portas para a implementação de um regime ditatorial que estilhaçou qualquer vestígio de democracia em nossa falida republiqueta. Conhecido como “Inquérito do Fim do Mundo” e oficialmente batizado como “Inquérito das Fake News”, o processo foi instaurado por Dias Toffoli e posteriormente entregue a Alexandre de Moraes sem sorteio e sem que houvesse provocação de outro órgão. Ou seja, a decisão partiu exclusivamente do Supremo.

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O desenrolar catastrófico dos acontecimentos já é conhecido por todos. Ingressamos em uma ditadura sombria que culminou em tragédias sucessivas, entre elas a morte de Clezão.

Ezequiel Silveira: “Estou cuidando exclusivamente desses casos do 8 de janeiro porque não é uma questão profissional, é uma questão humanitária.”

Cleriston ao lado de sua família. Foto: Reprodução.

Conforme divulgado pelo jornal Poder 360, a médica Tania Maria Leite já havia emitido um parecer médico ainda em fevereiro, recomendando agilidade no processo dele, devido ao seu frágil estado de saúde. Em 1º de setembro, a Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer favorável à libertação de Clerison, no entanto, até a data do falecimento do detento, Alexandre de Moraes não havia respondido a essa recomendação.

A tragédia ocorrida na Papuda reverberou nas instâncias de poder. Diante da repercussão negativa, Moraes ordenou a soltura de onze pessoas detidas durante em decorrência das manifestações. O estrago, porém, já estava feito.

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De acordo com o Dr. Ezequiel Silveira, advogado da Associação dos Familiares e Vítimas de 08 de janeiro (ASFAV), da qual a família de Cleriston faz parte, não há precedentes jurídicos para as condutas adotadas pela Suprema Corte contra essas pessoas.

Fernanda Salles: Os manifestantes estão sendo julgados e condenados por lotes e não individualmente. Há precedente para tal conduta do judiciário?

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Ezequiel Silveira: Não. Não há. É o processo penal é a regra dele de que as condutas sejam individualizadas e os julgamento se deem de forma individual. Há princípios constitucionais que determinam que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, cada pessoa só é responsável pelas suas ações, então é impossível que você faça julgamentos coletivos e nesse caso aqui é um julgamento sem precedente essa questão do julgamento em lotes.

Fernanda Salles: Como tem sido para você defender essas famílias e estar em contato os presos?

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Ezequiel Silveira: Bom eu praticamente fechei meu escritório para outros casos. Estou cuidando exclusivamente desses casos do 8 de janeiro porque não é uma questão profissional, é uma questão humanitária. A gente tem visto que essas pessoas têm tido os seus direitos mais básicos violados e é um dever como cidadão, enquanto ser humano, defender essas pessoas e assim nós faremos denunciando os abusos que o poder judiciário tem cometido, assim como outras instituições da república tem cometido, e a gente vai até que essa situação seja resolvida.

Fernanda Salles: Manifestantes do 8 de janeiro estão recebendo penas muitas vezes mais severas do que assassinos estupradores e até pedófilos. Como você avalia essas decisões?

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Ezequiel Silveira: São decisões políticas. O ministro Alexandre Moraes está utilizando esse caso para vingança política e está sendo acompanhado pela maioria do Supremo Tribunal Federal. Então o Supremo Tribunal Federal tomou essa causa para si e está realizando vingança e não justiça, então não há parâmetros no poder judiciário para julgamentos dessa gravidade, né? Com penas dessa gravidade, e não precisa ser especialista em direito ou entendedor de direito para saber que essas penas são irrazoáveis. Elas partem muito mais de uma bile do ministro Alexandre Moraes, de um ódio que ele sente em relação a essas pessoas, manifestado por ele mesmo em várias ocasiões, do que um trabalho técnico, de justiça, que é o que não está sendo feito.

Manifestantes prestaram homenagem a Clezão. Foto: Reprodução.

Já o advogado mineiro Renato Antunes, de 38 anos, fala em “dois pesos e diversas medidas” para descrever as ações da corte contra perseguidos políticos nos últimos anos.

Fernanda Salles: Você acredita que o STF tem agido de maneira arbitrária e política? Por quê?

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Renato Antunes: Sem dúvidas. Infelizmente, o que estamos vendo são “dois pesos e diversas medidas”. A lei deve ser cumprida e seguida por todos, mas nos últimos anos o que vimos foi que a lei pode servir de uma forma “x” para um e “y” para outro, não importando exatamente o que se diz ou que se faz, mas quem diz e quem faz. O viés político, partidário e ideológico contaminou as instituições em geral, e no Supremo, a mais alta Corte de Justiça do país, exatamente aquela que deveria primar pelo respeito e cumprimento da Constituição da República, a política partidária e a ideologia tomaram conta.

O ativismo judicial é escancarado e temos Ministros que sequer escondem isso, alguns até tratam como se isso fosse bom. Vimos o STF interferir deliberadamente no parlamento brasileiro para impedir, por exemplo, a aprovação do voto impresso com contagem pública, vimos Ministro ser desmentido no exterior ao inventar que “queriam a volta do voto na cédula de papel”, algo inimaginável em um Estado de Direito. Vimos o TSE, que é basicamente uma extensão jurisdicional do STF atuando em favor de um determinado candidato no processo eleitoral, coisas absolutamente inconcebíveis em um país democrático e livre.

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Compreendo que o nosso modelo “democrático” falhou. As instituições se organizaram de modo que uma passou a defender a outra em seus excessos e sem dúvidas, o maior de todos os problemas é a Guerra Cultural que saiu da “academia” e tomou as instituições, não tendo meios Constitucionais objetivos e acessíveis ao povo para o restabelecimento do Estado de Direito. O próprio sistema eletivo é feito para garantir a manutenção de certos caciques ou agentes do sistema que interessam e representam determinados grupos de poder. Portanto, a resposta a esse problema passa por uma série de questões que vão desde a nossa derrocada cultural até a existência de um sistema completamente falido e ineficiente.

Renato Antunes: “O julgamento em questão é atípico, visto que não há a individualização da conduta de cada um dos processados.”

Alexandre de Moraes e Lula – (Evaristo Sa/AFP)

Fernanda Salles: Na sua visão, os manifestantes do 8 de janeiro estão sendo julgados e condenados de maneira coletiva? 

Renato Antunes: Sim, os próprios ministros têm deixado claro durante as sessões de julgamento esse posicionamento. O julgamento em questão é atípico, visto que não há a individualização da conduta de cada um dos processados. Veja, o STF só poderia julgar os manifestantes que eventualmente tenham adentrado a sede da instituição e cometido ali atos de vandalismo. Conforme prevê o regimento da Corte, atos ilícitos cometidos nas dependências da instituição podem ser processados por ela. Contudo, quem foram essas pessoas?

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Temos que destacar que mais de 1000 pessoas foram presas pelos atos do dia 08/01, mas quantas dessas de fato adentraram e depredaram as dependências do Supremo? 100, 200 pessoas? Assim, as demais não poderiam ser processadas pelo STF, pois não têm foro especial. Além disso, é óbvio que essas pessoas não tentaram abolir o Estado de Direito tão pouco destruir ou acabar com as instituições, outro absurdo perpetrado nos autos. Senhoras com mais de 60, 70 anos de idade com terços e bíblias nas mãos são claramente incapazes disso.

Também não houve emprego de armas de fogo, bombas, tomada de Poder com extrema violência que inviabilizasse o funcionamento das instituições, portanto, o julgamento coletivo, assim como o fundamento utilizado para essa medida são absolutamente inadequados e antijurídicos.

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Fernanda Salles: O que você teria a dizer sobre a morte do manifestante Cleriston De Jesus Silva?

Renato Antunes: É claramente uma consequência de um Estado brutal, autoritário, antijurídico e acima de tudo, omisso com a situação do preso. Havia um parecer da PGR para soltura do sr. Cleriston pendente de análise por mais de 2 (dois) meses com o Ministro Alexandre de Morais. É importante destacar que todos aqueles que estão dentro do sistema prisional estão sob a tutela do Estado e cabe a esse preservar a sua integridade física e não esquecer da “dignidade da pessoa humana”, instituída como fundamento do Estado Democrático de Direito, de acordo com o art. 1º da Constituição da República. A morte do sr. Cleriston não foi uma fatalidade, mas sim uma mistura de todos os elementos descritos acima que levaram ao previsível resultado morte. Em Estados autoritários em que as leis são relativizadas e os direitos individuais tem pesos distintos de acordo com a pessoa que está sendo tutelada pelo Estado, situações como essas podem ser esperadas, e digo isso com a consciência de que leis “relativas” só podem gerar o caos e levar à barbárie.

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Entrevistados: Renato Antunes: @renatoantunes.adv e Ezequiel Silveira: @silveiraezequiel

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