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Criticado por procuradores por ter aberto inquérito para investigar integrantes da Operação Lava Jato, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, tem recebido sinalização favorável de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Martins afirma ter respaldo legal para tocar a apuração, mas é acusado por procuradores da República de usar provas ilícitas e incorrer em ilegalidades, como a de se imiscuir em atribuição alheias e de não ter feito constar no despacho inaugural do inquérito quais seriam, em tese, os delitos cometidos pelos investigados.
Entre os nomes da Lava Jato citados na investigação do STJ está o ex-coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol. O debate sobre a legalidade do inquérito é travado no STF sob a relatoria da ministra Rosa Weber. Ela analisa pedidos para trancar a apuração, mas a palavra final será colegiada.
Internamente, ainda no calor do julgamento que declarou a quebra de imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro, o clima entre os ministros do STF é, por ora, favorável a Martins, segundo interlocutores que fizeram chegar a ele tal avaliação na semana passada.
Os procuradores, por sua vez, apostam as fichas na possibilidade de que Weber tome uma decisão que, ainda que provisoriamente, breque a investigação ilegal.
Na sexta-feira (26) veio à tona a informação de que o presidente do STJ afirmou, em um despacho, que são estudadas diligências contra procuradores da República, aumentando o clima de apreensão no Ministério Público Federal (MPF).
A apuração aberta em fevereiro pelo presidente do STJ busca esclarecer, segundo ele, se integrantes da Lava Jato tentaram investigar, ilegalmente, ministros da Corte.
A hipótese foi levantada a partir de reportagens sobre o conteúdo das mensagens trocadas entre representantes da Procuradoria vazadas em um ataque hacker em 2019.
O material faz parte do mesmo universo de diálogos citados por ministros do STF no recente julgamento que concluiu pela suspeição de Moro na condução da ação penal contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP).
Para instaurar o inquérito, Martins se baseou no Regimento Interno do STJ, segundo o qual é atribuição do presidente da Corte zelar pelas prerrogativas do Tribunal.
Com o objetivo de garantir o cumprimento dessa autodefesa institucional, o artigo 58 da mesma norma prevê a possibilidade de instauração de inquérito.
A redação desse artigo 58 é similar a trecho do Regimento Interno do STF, lastro da abertura do inquérito das fake news —resposta aos ataques que ministros do Supremo sofreram de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Rosa pediu esclarecimentos a Martins recentemente. O presidente do STJ reforçou os argumentos de que o inquérito visa proteger o Judiciário. “Não subsistirão direitos fundamentais e garantias constitucionais sem a preservação do Poder Judiciário independente, que viabiliza que tais conquistas constitucionais sejam reconhecidas concretamente”, afirmou.
“Portanto, diante de indícios de excessos funcionais por parte do Ministério Público Federal, mister que se investiguem os fatos para a defesa irrefutável da existência independente e robusta do Poder Judiciário”, completou o presidente do STJ.
O ministro alegou ainda ter se baseado no inquérito das fake news, aberto de ofício pelo STF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, para investigar ataques a ministros da corte suprema.
Em parecer enviado na segunda-feira (22) ao STF, assinado pelo sub-procurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, o Ministério Público Federal (MPF) rebateu a argumentação do presidente do STJ e pediu o trancamento do inquérito sob a justificativa de que ele subverte o sistema acusatório.
Segundo a Procuradoria, a apuração das possíveis infrações penais deve ocorrer na forma prevista na Constituição e demais leis — ou seja, por “procedimento investigatório conduzido pelos órgãos de persecução penal com atribuição para tanto e sob a supervisão de órgão do Poder Judiciário competente, nos moldes clássicos do sistema acusatório em vigor no país”.
“Após a Constituição de 1988, a única exceção à regra geral da inadmissibilidade de uso de prova ilícita no processo penal de que se tem notícia incide quando tal utilização puder demonstrar a inocência do réu ou mesmo for apta a beneficiá-lo no processo”, afirmou José Adonis.
O subprocurador-geral da República sustentou que, ao contrário do que argumentou Martins, não se pode equiparar o inquérito ilegal das fake news, do Supremo, ao caso do STJ.
Isso porque o Regimento Interno da STF que possibilitou a abertura de ofício da investigação das fake news tem status de lei ordinária, o que não ocorre com o dispositivo interno usado pelo STJ.
Em outra suposta ilegalidade apontada pelos procuradores, Martins defendeu o uso das mensagens vazadas de integrantes da Lava Jato, ainda que obtidas de forma ilegal, como meio de garantir à corte proteção contra excessos e crimes.
Apesar de a Constituição Federal e outras leis desautorizarem o aproveitamento do material em processos judiciais, Martins defendeu a relativização no caso concreto: “Garantias constitucionais não podem ser interpretados de forma absoluta”.
Martins argumenta que o Supremo não as considerou ilegais. “Não obstante as alegações de que tais provas são ilícitas e de que houve rechaço à autenticidade da prova recolhida na Operação Spoofing”, afirmou o presidente do STJ, “na verdade, não há tal reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal.”
Embora seja tema de recentes decisões, mencionadas à exaustão por ministros que participaram do julgamento da suspeição do ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, o Supremo não avaliou a legalidade do uso dessas mensagens como prova.
Na terça-feira (23), o STF divulgou que Rosa Weber, em um dos recursos contra o inquérito de Martins, negou, em caráter ainda provisório, pedido da ANPR para suspender a investigação.