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As razões por trás da venda da dipirona no Brasil e sua proibição nos EUA e em alguns países europeus

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Dipirona se tornou um dos assuntos mais comentados no X (antigo Twitter) nesta quinta-feira (17). Uma reportagem da BBC questiona o uso deste medicamento no Brasil, que é proibido nos EUA e em parte da Europa. A seguir, confira a reportagem da BBC Brasil.

Uma das soluções para aliviar febre e dor, a dipirona sempre figura na lista dos remédios mais vendidos no Brasil.

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Mais de 215 milhões de doses deste medicamento foram comercializadas no país apenas em 2022, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em outras partes do mundo, porém, a realidade é completamente distinta: em lugares como os Estados Unidos e uma parcela da União Europeia, esse fármaco está proibido há décadas.

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Por trás do veto da dipirona nesses locais, está uma grande controvérsia sobre um possível efeito colateral grave da medicação: a agranulocitose, uma alteração no sangue grave e potencialmente fatal marcada pela queda na quantidade de alguns tipos de células de defesa.

Mas o que há de evidência científica por trás dessa alegação? E em que casos esse remédio realmente faz a diferença?

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Para entender essa história, é preciso conhecer o mecanismo de ação desse remédio.

Funcionamento misterioso

A dipirona foi criada em 1920 pela farmacêutica alemã Hoechst AG. Dois anos depois, ela já estava disponível nas drogarias, inclusive no Brasil.

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Ela ficou conhecida pelo nome comercial Novalgina, que hoje pertence ao laboratório francês Sanofi.

Outros remédios populares que trazem dipirona são o Dorflex (também da Sanofi) e a Neosaldina (da Hypera Pharma).

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Todos eles estão disponíveis nas farmácias e não precisam de receita médica para serem comprados pelos consumidores.

“Mas é importante sempre conversar com o farmacêutico para entender se aquela opção é mesmo a melhor para o seu caso específico”, pondera a farmacêutica Danyelle Marini, diretora do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP).

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E, apesar dos 100 anos de história, a forma como esse fármaco funciona para baixar a febre e aliviar a dor ainda está cercada de mistérios.

A farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, explica que a principal suspeita é que a dipirona atue contra uma molécula inflamatória conhecida como COX.

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“A hipótese é que ela iniba a COX, inclusive um dos tipos dessa molécula que é exclusivo do sistema nervoso central, o que aliviaria a inflamação por trás da febre e da dor”, diz ela.

A proibição

A dipirona estava amplamente disponível em boa parte do mundo até meados dos anos 1960 e 1970, quando começaram a surgir os primeiros estudos que criaram o alerta sobre o risco de agranulocitose.

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Um trabalho publicado em 1964 calculou que essa alteração sanguínea grave acontecia em um indivíduo para cada 127 que consumiam a aminopirina — uma substância cuja estrutura é bem parecida à da dipirona.

“Tendo como base essa semelhança química, os autores não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona”, aponta um artigo da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade de São Paulo, publicado em 2021.

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A partir dessa e de outras evidências, a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos Estados Unidos, decidiu que a dipirona deveria ser retirada do mercado americano em 1977.

Pouco depois, outros países tomaram a mesma resolução, como foi o caso da Austrália, do Japão, do Reino Unido e de partes da União Europeia.

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“E a proibição dela aconteceu justamente nos países que mais fazem pesquisas de eficácia e segurança sobre medicamentos”, destaca Marise.

Segundo ela, isso diminuiu o interesse em fazer testes e investigações sobre a dipirona — o que fez o fármaco se tornar praticamente desconhecido nesses lugares desde então.

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Células sanguíneas

CRÉDITO,GETTY IMAGES 

A partir dos anos 1980, começaram a surgir novas evidências sobre a segurança da medicação — que jogaram mais controvérsia na discussão.

O Estudo Boston, por exemplo, foi realizado em oito países (Israel, Alemanha, Itália, Hungria, Espanha, Bulgária e Suécia) e envolveu dados de 22,2 milhões de pessoas.

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Os resultados encontraram uma incidência de 1,1 caso de agranulocitose para cada 1 milhão de indivíduos que usaram a dipirona — o que é considerada uma frequência bem baixa.

Em Israel, uma investigação realizada com 390 mil indivíduos hospitalizados calculou um risco de 0,0007% de desenvolver essa alteração no sangue e de 0,0002% de morrer por causa desse evento adverso.

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Já na Suécia, que voltou atrás e liberou a dipirona brevemente nos anos 1990, foram detectados 14 episódios de agranulocitose possivelmente relacionados ao tratamento, com 1 caso para cada 1.439 indivíduos que tomaram esse fármaco.

Essa frequência mais alta, aliás, fez com que o país nórdico proibisse a comercialização do fármaco novamente em 1999.

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Mas o que justifica essa disparidade de resultados? Embora não exista uma explicação clara, Marini aponta três fatores que ajudam a entender o cenário.

“Primeiro, há uma mutação genética que parece facilitar o aparecimento da agranulocitose em alguns indivíduos que usam dipirona. E sabe-se que essa mutação é mais comum em populações dos Estados Unidos e de partes da Europa”, diz ela.

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“Em segundo e terceiro lugares, dosagens mais altas e uso por tempo prolongado também influenciam nesse risco”, completa.

E no Brasil?

A dipirona foi alvo de uma grande pesquisa realizada na América Latina que ficou conhecida como Latin Study.

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Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, cientistas de Brasil, Argentina e México se debruçaram sobre dados de 548 milhões de pessoas.

Nesse universo, foram identificados 52 casos de agranulocitose — o que representa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano.

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O trabalho latino ainda mostrou que esses episódios de alteração sanguínea grave são relativamente mais comuns em mulheres, crianças e idosos.

Pouco antes disso, em 2001, a Anvisa realizou um evento chamado “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, em que foram convidados especialistas brasileiros e estrangeiros.

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“O objetivo deste painel foi a promoção de amplo esclarecimento sobre os aspectos de segurança da dipirona”, contextualiza a agência, em nota enviada à BBC News Brasil.

“Conforme o relatório final, as conclusões do referido painel foram que há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável e que os riscos atribuídos à sua utilização em nossa população são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado”, complementa o texto.

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A Anvisa reforça que, desde a realização do painel há 22 anos, “não foram identificados novos riscos ou emitidos novos alertas de segurança relacionados à dipirona” — e, portanto, não há qualquer discussão sobre uma eventual proibição de venda dela no Brasil.

Além do país, a dipirona também está disponível em Índia, Alemanha, Espanha, Rússia, Israel, Argentina e México, entre outros.

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A BBC News Brasil também procurou as farmacêuticas responsáveis pelas versões comerciais mais populares da dipirona no país.

A Sanofi, que fabrica Novalgina e Dorflex, disse que “cumpre rigorosamente toda a legislação brasileira vigente, em especial a legislação sanitária e as regulamentações da Anvisa em vigor”.

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“Reiteramos que a dipirona está no mercado mundial há mais de 100 anos e é utilizada por milhões de pacientes em todo o mundo”, diz o laboratório, que também classifica como “inquestionável” a eficácia da medicação.

A Hypera Pharma, que faz a Neosaldina, informou que “a dipirona é um princípio ativo liberado pela Anvisa para comercialização no Brasil” e todos os produtos da farmacêutica que contêm a molécula “contam com registro aprovado na agência, com comprovação de segurança e eficácia”.

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Já a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa) afirmou que, “quando usada de acordo com as indicações médicas e seguindo as doses recomendadas, [a dipirona] é considerada segura para a maioria das pessoas”.

“As instruções presentes nos rótulos dos MIPs devem ser seguidas com rigor, as doses devem ser respeitadas, evitando-se a automedicação excessiva”, conclui a entidade.

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Eficácia e modos de uso

Além das questões envolvendo a segurança, a dipirona foi objeto de uma série de estudos que testaram se ela realmente funciona na prática.

Segundo Marise, que também é fundadora do canal de divulgação científica Nunca Vi 1 Cientista, as evidências sobre a eficácia dela são um pouco mais conclusivas quando comparadas a de outros fármacos comumente usados contra dor e febre.

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“Ela tem um efeito bem intenso, a ponto de conseguir competir com os opioides em certos casos ou até mesmo ser usado para aliviar a dor em ambiente hospitalar”, diz ela.

“Mas é claro que não temos tantos estudos para a dipirona como para outras drogas mais modernas, até pela proibição de uso dela nos Estados Unidos e partes da Europa”, complementa.

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O Instituto Cochrane, que realiza revisões de publicações científicas para definir o nível de evidência sobre diversos procedimentos, calcula que uma única dose de dipirona é capaz de aliviar a dor moderada ou severa após cirurgias em 7 a cada 10 pacientes.

O número é maior do que o observado com placebo, uma substância sem efeito terapêutico, que resultou em melhoras nos sintomas para 3 em cada 10 indivíduos.

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A Cochrane também observa uma eficácia da medicação contra a dor de cólicas renais.

Já para a dor no geral, o efeito da dipirona foi observado em 5 a cada 10 usuários. O índice ficou ligeiramente mais baixo em relação a outras opções farmacêuticas, como combinações de ibuprofeno e paracetamol (70%).

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“O uso de uma ou outra opção que atua contra dor e febre, como dipirona, paracetamol, ibuprofeno, entre outros, depende muito de características individuais e costumes familiares”, observa Marise.

Mas é claro que, assim como ocorre com qualquer opção terapêutica, é preciso ler atentamente as informações disponibilizadas pelo fabricante, respeitar o limite de consumo diário e conhecer os possíveis efeitos colaterais.

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Segundo a bula da dipirona registrada no Brasil, adultos e adolescentes acima de 15 anos podem tomar de 1 a 2 comprimidos de 500 miligramas até quatro vezes ao dia.

Para esse público, o limite de consumo diário é de 4 gramas (ou 4 mil miligramas)

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O remédio não é indicado para crianças com menos de 3 meses de idade ou que têm menos de 5 quilos.

A dipirona em comprimidos não deve ser utilizada por menores de 15 anos — e recomenda-se sempre a supervisão de um médico nesses casos. É possível encontrá-la na forma de xarope, gotas e supositórios, além das versões injetáveis e intravenosas disponíveis em ambiente hospitalar.

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Para não ultrapassar os limites de segurança, é importante ler atentamente o rótulo e a bula, pois algumas opções farmacêuticas trazem dipirona na fórmula junto de outros princípios ativos — e um descuido pode fazer alguém exagerar na dose segura sem querer.

O uso da dipirona também deve ser mais cuidadoso em pacientes com problemas nos rins ou no fígado, para evitar crises agudas nestes órgãos vitais.

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Exagerar no consumo de dipirona pode provocar enjoo, vômito, dor abdominal, disfunção renal e hepática, tontura, sonolência, coma, convulsões, queda de pressão arterial, arritmias cardíacas e mudança na coloração da urina.

Entre os efeitos colaterais menos graves que a agranulocitose (que é considerada muito rara na população brasileira), algumas pessoas podem sofrer quadros alérgicos ou hipotensão (queda da pressão arterial) após tomarem a dipirona.

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Nesses casos, a recomendação é não usar o fármaco — e procurar um profissional da saúde se o incômodo não passar ou piorar.

“É importante reforçar que a dipirona é uma droga segura mas, assim como qualquer medicamento, não é isenta de riscos”, lembra Marini.

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“Ela é indicada para tratar quadros agudos de dor e febre, e não deve ser usada de forma contínua, por semanas, meses ou anos, como é comum vermos algumas pessoas fazerem”, conclui a farmacêutica.

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