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Com o pretexto de que a pandemia do novo coronavírus inviabiliza o funcionamento das comissões temáticas do Congresso, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), concentraram um poder inédito desde que assumiram o comando das duas Casas. Há quatro meses, cabe exclusivamente a eles decidir o que vai ou não ser votado. Líderes ouvidos relatam incômodo com a situação e cobram a instalação dos colegiados em que são discutidas com mais profundidade todas as propostas de emenda constitucional ou projetos de lei.
Ao todo, existem 19,5 mil projetos parados nas 25 comissões permanentes da Câmara. Destes, 1.092 estão prontos para serem votados, ou seja, já foram debatidos e os relatores já deram seus pareceres. No Senado, são outras 2.814 propostas – 628 aguardando apenas a fase de votação. Os colegiados reúnem grupos de até 66 parlamentares e, antes de votar os projetos, analisam minuciosamente o conteúdo, se é constitucional, além de ampliar o debate por meio de audiências públicas. A votação diretamente no plenário das duas Casas Legislativas pula essa etapa do debate.
Entre os temas à espera da volta das comissões está a PEC que prevê a prisão após condenação em segunda instância, uma agenda da Lava Jato, além de reformas, como a tributária. O governo enviou sua proposta ao Congresso no último dia 21. Uma sessão (virtual) de debates com o ministro da Economia, Paulo Guedes, está marcada para o próximo dia 5, mas votação mesmo só quando as comissões forem instaladas.
A paralisação das comissões também comprometeu a prerrogativa do Legislativo de fiscalizar o governo. Dos 87 requerimentos de convocação de autoridades do Executivo, apenas um foi aprovado pelo Senado neste ano – do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Na Câmara, são 66 pedidos para ouvir autoridades na gaveta.
No Senado, os presidentes das comissões têm mandato de dois anos. Na Câmara, de apenas um. Pela primeira vez, a Casa está há cinco meses sem sequer escolher quem vai comandar os colegiados – a eleição deveria ter ocorrido em fevereiro, antes mesmo de as sessões presenciais serem suspensas.
O sistema virtual criado para votações à distância durante a pandemia tem sido usado apenas no plenário e, tanto na Câmara quanto no Senado, virou uma referência para outros parlamentos no mundo. Os comandos das duas Casas dizem, porém, que não há condições técnicas para expandir seu funcionamento também para as comissões, sem dar detalhes sobre o motivo de o sistema funcionar bem para o plenário (que reúne os 513 deputados e 81 senadores) e não para os colegiados (que reúnem grupos menores de parlamentares).
“Além dos projetos já aptos para serem pautados, muitos relatores já estão com seus pareceres prontos e, como as comissões não estão funcionando, eles não podem protocolar no sistema”, afirmou o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que até o ano passado presidiu a poderosa Comissão de Constituição e Justiça, ao engrossar o coro dos que defendem o trabalho das comissões. Chamada de CCJ, a comissão é a mais importante da Câmara porque todos os projetos precisam ser analisados por ela para que possam seguir tramitando. É o colegiado quem diz se uma proposição fere a Constituição, condição para que um projeto seja arquivado. Também é a principal comissão da Câmara quem delibera, por exemplo, sobre a abertura de processo de impeachment de presidente da República.
Em junho, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão do Meio Ambiente da Câmara até o ano passado, encaminhou um ofício a Maia pedindo a votação de uma lista de propostas, entre elas medidas para reduzir o desmatamento. “O ideal seria que as comissões pudessem voltar virtualmente, de forma gradativa, para que os trabalhos possam ter continuidade”, afirmou Agostinho.
“Precisamos avançar em alguns temas importantes, que estão em comissões especiais, como segunda instância, reforma tributária, código brasileiro de energia elétrica, código de processo penal”, emendou o líder do Novo, deputado Paulo Ganime (RJ). Para ele, a ausência dos colegiados gera uma concentração de poder excessivo nas mãos dos presidentes das Casas. “Não há espaço para as pautas que são terminativas em comissões (alguns projetos não precisam ser votados no plenário pelos 513 deputados e 81 senadores; basta deliberação nas comissões). A pauta do plenário sempre dependeu do presidente da Casa”, afirmou.
O poder maior nas mãos de Maia e Alcolumbre também os favorece na sucessão no comando do Congresso. Enquanto o presidente da Câmara tenta fazer seu sucessor, seu colega no Senado ainda busca uma manobra que lhe permita disputar a reeleição. Para isso, precisará de apoio dos colegas para aprovar uma mudança na lei. E controlar a pauta é um instrumento importante de barganha na busca de votos.