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A estratégia da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, surtiu efeito. Os cinco referendos realizados no país no último fim de semana — que visavam reformar as leis de cidadania e ampliar proteções aos trabalhadores — fracassaram devido à baixa participação popular. Apenas cerca de 30% dos eleitores compareceram às urnas, número bem inferior ao quórum mínimo de 50% mais um necessário para validar as consultas. O resultado é considerado uma vitória política para Meloni, cujo governo incentivou ativamente a abstenção.
O fracasso representa um duro golpe para a oposição de centro-esquerda e para os sindicatos, que viam os referendos como uma forma de pressionar o governo e mobilizar suas bases em torno de temas sensíveis, como a integração de imigrantes e os direitos trabalhistas. No entanto, o que conseguiram foi uma derrota que Meloni e seus aliados rapidamente comemoraram como um sinal de força política.
“O verdadeiro objetivo desses referendos era derrubar o governo Meloni. No fim, foram os italianos que derrubaram vocês”, declarou o partido Irmãos da Itália, da primeira-ministra, em uma postagem nas redes sociais acompanhada de fotos dos líderes da oposição. A provocação resume o tom combativo adotado pela direita durante a votação, que foi tratada como um teste de força entre os dois lados do espectro político.
Segundo dados oficiais de quase 90% das seções apuradas, a participação permaneceu em torno de 30% após dois dias de votação. O número não só inviabiliza as propostas da esquerda, como também evidencia o desinteresse crescente dos italianos por esse instrumento de participação democrática.
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani (do Força Itália), celebrou o resultado: “O governo sai fortalecido e a oposição, enfraquecida”. Já Matteo Salvini (Liga), também membro do governo, classificou o desfecho como “uma derrota esmagadora para a esquerda”, que, segundo ele, “não consegue nem mobilizar seus próprios eleitores”.
Entre os cinco referendos, o mais polêmico propunha reduzir de 10 para 5 anos o tempo de residência legal exigido para a concessão da cidadania italiana. A medida poderia beneficiar cerca de 2,5 milhões de estrangeiros que lutam para obter o passaporte italiano e também facilitaria a nacionalização de seus filhos menores.
Para os defensores da proposta, tratava-se de uma questão de justiça social, permitindo que italianos de segunda geração — nascidos na Itália, mas filhos de imigrantes — tivessem acesso mais fácil a direitos como o voto, o serviço público e a livre circulação na União Europeia. Para os críticos, como Salvini, a medida seria uma “regalia” inaceitável que enfraqueceria os critérios para aquisição da cidadania.
Curiosamente, mesmo entre os que compareceram às urnas, o apoio à mudança na cidadania foi mais tímido. Enquanto os quatro referendos trabalhistas receberam mais de 80% de votos favoráveis, o que tratava da cidadania teve entre 60% e 65% de aprovação — uma diferença de até 20 pontos que reflete a resistência ao tema migratório, mesmo em setores progressistas da sociedade italiana.
Trabalho no centro do debate
Os outros quatro referendos abordavam temas trabalhistas, impulsionados pela Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL), o maior sindicato do país. As propostas buscavam revogar medidas que, segundo os sindicatos, precarizaram as relações de trabalho e enfraqueceram os direitos dos trabalhadores nos últimos anos.
Entre as principais mudanças sugeridas estavam o fim da regra que permite a empresas com mais de 15 funcionários não reintegrar trabalhadores demitidos de forma ilegal, a eliminação do teto para indenizações por demissões sem justa causa em pequenas empresas e o aumento da responsabilidade patronal em casos de acidentes de trabalho.
Para a CGIL, as reformas eram essenciais para devolver dignidade ao trabalho em um país onde a precarização atinge principalmente os jovens. Já o governo argumentava que as propostas prejudicariam a competitividade das empresas.
Maurizio Landini, secretário-geral da CGIL e um dos principais defensores dos referendos, reconheceu a derrota com frustração, mas descartou renunciar. “Sabíamos que não seria fácil”, afirmou. Para ele, o resultado reflete uma “crise evidente da democracia e da participação”. Landini destacou que 14 milhões de italianos participaram da votação e defendeu que os temas seguem relevantes: “É um ponto de partida”, disse, admitindo, no entanto, que a estratégia adotada falhou.
Campanha silenciosa
Um dos fatores apontados para o fracasso das consultas foi a baixa visibilidade na imprensa e no debate público. Pesquisas feitas em maio mostravam que apenas 46% dos italianos tinham conhecimento dos referendos — um sinal das dificuldades enfrentadas pela oposição para engajar a sociedade.
A AGCOM, autoridade reguladora de comunicações, chegou a apresentar uma queixa formal contra a TV pública RAI e outras emissoras por não cobrirem os referendos de forma “adequada e equilibrada”. Em contrapartida, o governo fez campanha ativa pela abstenção.
Salvini, por exemplo, aproveitou um evento do grupo Patriotas pela Europa — que reúne líderes da ultradireita do continente — para reafirmar sua oposição às propostas horas antes do encerramento das urnas. “A nacionalidade não é um presente”, declarou. “Queremos regras mais claras e rígidas para ser cidadão italiano; não basta morar aqui por alguns anos a mais.”
Referendos em crise?
O fracasso dessas consultas populares se soma a uma tendência mais ampla de desinteresse pelos referendos na Itália. Desde 1997, apenas dois alcançaram o quórum necessário: um em 2011, sobre a gestão pública da água (com 54,8% de participação), e outro em 2020, que reduziu o número de parlamentares de 945 para 600.
O analista político Lorenzo Pregliasco, da consultoria YouTrend, afirma que os dados indicam a necessidade de repensar o funcionamento do instrumento. “Muitos acreditam que o limite de participação precisa ser revisto, diante dos altos níveis de abstenção”, disse.
Os cinco referendos foram originalmente propostos por Riccardo Magi, deputado do partido progressista +Europa, e receberam o apoio de outras siglas de esquerda, entidades civis e sindicatos. A iniciativa conseguiu reunir mais de 637 mil assinaturas — bem acima das 500 mil exigidas para convocar as consultas.
No entanto, reunir assinaturas se mostrou bem mais fácil do que convencer os eleitores a ir às urnas. O resultado fortalece Meloni diante de uma oposição que, agora, precisará revisar suas estratégias para enfrentar o avanço da direita na política italiana.
