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Em meio à histeria que tomou conta de nossas vidas nos últimos dias e a crença cega de muitos de que “a Amazônia” está “ardendo em chamas”, só nos resta suspirar e chegar à conclusão de que vivemos em um mundo emburrecido e doente, em que cada um parece acreditar apenas no que quer acreditar.
Isso vale para a legião de anônimos que, no conforto de seus lares, a milhares de quilômetros da Amazônia, transfiguram-se em furiosos ativistas pelo meio ambiente, propagando toda sorte de informações falsas, distorcidas ou exageradas, acompanhadas de imagens aleatórias, ardilosamente manipuladas para causar sofrimento e comoção.
E quando a intenção é causar sofrimento e comoção, nada mais eficiente e cruel do que fazer uso de animais.
Uma dessas imagens, entre as que mais brotaram nas redes sociais nos últimos dias, segundo afirmam os ecologistas de wifi, mostra o sofrimento de uma macaquinha segurando um filhote morto, asfixiado durante uma queimada na Amazônia.
A foto é mesmo impressionante, mas o animal é da espécie rhesus, que vive na Ásia, foi tirada na Índia em 2017, é de autoria de um fotógrafo chamado Avinash Lhodi e, segundo o próprio, não havia nenhuma queimada por perto – e o filhote não estava morto.
Essa outra imagem também circula muito entre novos entendedores das questões ambientais, como sendo de um animal selvagem em fuga de uma área em chamas na Amazônia.
Não é possível saber se o animal em questão é uma raposa ou um cão doméstico; mas bastam cinco segundo de pesquisa para descobrir que a foto tem dezenas de publicações, na maioria relacionadas a um incêndio ocorrido na Chapada dos Veadeiros (Goiás), em outras à queima controlada de um canavial em Sertãozinho (São Paulo) – mas é certo que foi feita em 2017.
Um tamanduá morto também virou estrela das postagens catastrofistas dos últimos dias: ele seria, segundo informam nossos novos guardiões da natureza, outra vítima das queimadas criminosas na Amazônia.
Essa foi necessário pesquisar um pouco mais (quase um minuto): mas está relacionada a uma autuação da Polícia Militar Ambiental de São Paulo a uma usina sucroalcooleira de Presidente Venceslau (SP), que promoveu uma queimada em área de canavial sem autorização. O crime ambiental que resultou na morte do tamanduá-mirim ocorreu em 2011.
LINK: http://jornalintegracaopv.blogspot.com/2011/05/policia-ambiental-autua-por-queimada-e.html
Já a triste imagem da jaguatirica atropelada pelo menos está relacionada a queimadas e, aparentemente, vem da Amazônia.
Diversas reportagens nas quais a imagem figura, falam dos animais que, desorientados pelas queimadas, comuns nessa época do ano no estado de Rondônia – olfato e visão são prejudicados -, invadem rodovias e são atropelados. Mas a imagem tem sido utilizada pelo menos desde 2016.
Não podemos nos esquecer do meme da semana: a blogueira, muito triste pelos “animais da Amazônia”, usou seu próprio corpo como tela para expressar toda a sua angústia.
O que aparenta ser uma girafa acabou chamando mais a atenção do que o silencioso protesto da moça.
Que o problema existe, não há dúvidas – como também não há dúvidas de que ele sempre existiu, relacionado à época de estiagem, fruto ou não da ação humana. Mas em meio às múltiplas tentativas de instrumentalização de um fato, cada qual com sua intenção, diante de um governo desorientado e de um presidente despreparado para uma guerra que é, sobretudo, midiática, as pessoas de “bom coração” da internet, que juram se preocupar muitíssimo com os distantes animaizinhos, mas que não notam que estão sendo feitas de idiotas, bem que poderiam tomar duas atitudes.
A primeira é usar o cérebro – e o Google: ferramenta simplíssima e eficientíssima para evitar vexames.
A segunda está relacionada a uma questão à qual eu sou muito afeito – e talvez um dia desses eu a aborde por aqui:
amigo, se você realmente se preocupa com “os animais”, comece usando um pouco dessa sua “consciência” toda para acolher aquele cachorro que está abandonado ali, na praça, no terminal de ônibus, na rua, que você vê no seu caminho para a escola ou para o trabalho.
O meio ambiente não é uma coisa que passa na televisão.
O meio ambiente começa na sua calçada.