A juíza federal Pollyanna Martins Alves, da 12ª vara federal do Distrito Federal, ordenou arquivamento do inquérito solicitado pelo ministro André Mendonça contra o advogado Marcelo Feller, por chamar de “genocida” o presidente Jair Bolsonaro no quadro “O Grande Debate”, da emissora CNN.
Segundo a juíza, as falas proferidas pelo advogado não se extrai a prática do crime tipificado contra a Lei de Segurança Nacional.
Veja um trecho da decisão:
Na hipótese, o investigado limitou-se a manifestar sua opinião em um debate motivado por críticas tecidas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes à condução de políticas públicas pelo Governo Federal voltadas ao enfrentamento da pandemia.
Além do mais, o investigado enfatizou que sua posição se baseava em conclusões de estudo amplamente divulgado pela mídia, realizado por professor da Universidade de Cambridge em parceria com pesquisadores da FGV, que aponta, com base em pesquisa científica, que o comportamento do presidente da República Jair Bolsonaro durante a crise do coronavírus, marcado pela minimização dos efeitos da pandemia, e por um contundente rechaço às recomendações da Organização Mundial de Saúde e das autoridades sanitárias, contribuiu para a disseminação do vírus entre a população (in Ajzenman, N., Cavalcanti, T. and Da Mata, D. (2020) More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic. Cambridge-INET Working Paper WP2019 doi: 10.17863/CAM.57994)
É necessário ter-se em mente, ainda, o contexto fático e político no qual foram veiculadas as afirmações do investigado, marcados por uma acentuada polarização política, em grande parte incentivada pelo próprio presidente da República, e em meio a uma pandemia que já matou mais de 210.000 pessoas apenas no Brasil, em menos de um ano.
É importante lembrar a sempre atual lição do eminente Ministro Carlos Britto que, ao julgar a ADPF 130, asseverou que “todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos”.
Sobre o tema, cabe ressaltar que o STF reconhece critérios particulares para aferir ofensas à honra baseados na maior ou menor exposição pública da pessoa ofendida, tendo em vista que “ao dedicar-se à militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilit, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários” (HC 78.426- 6-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1 ª Turma, DJ de 7.5.1999).
Na hipótese, portanto, não há se falar sequer em tese em ofensa à honra subjetiva do presidente da República, mas tão somente de crítica ao comportamento (aliás, amplamente questionado) deste em relação à pandemia causada pelo novo coronavírus.
Dessa forma, o arquivamento do presente inquérito policial é medida que se impõe nesse momento, para evitar o constrangimento ilegal do investigado, que se limitou a manifestar sua opinião em debate, com base em fundamentos extraídos de estudo científico e no comportamento questionável do presidente da República.