Uma semana depois, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, volta à carga para insistir na investigação – que considera estar num rumo “razoável e sensato” – sobre a origem do novo coronavírus. É uma posição que responde também às ameaças chinesas de boicote a importações de bens e serviços australianos. Pequim, que vê na posição de Camberra uma motivação política, rejeita qualquer investigação à origem da covid-19 e à forma como lidou com a doença de Wuhan, capital da província da China Central vista como o epicentro da pandemia.
“A Austrália continuará a adotar esse curso de ação extremamente razoável e sensato. Este vírus já matou mais de 200 mil pessoas em todo o mundo e paralisou a economia global. As implicações e os impactos são extraordinários”, apontou o primeiro-ministro australiano.
“Se a OMS tivesse enviado especialistas à China para avaliar a situação no terreno e denunciar a falta de transparência da China, a pandemia teria sido contida na fonte com muito poucas mortes”, justificou Trump, em clara contradição com a sua apreciação inicial da estratégia de Pequim, em finais de Janeiro. Então, o presidente norte-americano elogiava as autoridades chinesas pelos esforços para circunscrever o novo coronavírus e transparência com que informaram da dimensão da pandemia.
Entre uma nebulosa teoria da conspiração de que o novo coronavírus teria sido fabricado num laboratório chinês, Donald Trump deixou a ameaça de “consequências” para Pequim no caso de vir a provar-se que o país é “deliberadamente responsável” por uma pandemia que já infetou três milhões de pessoas e vitimou mais de 200 mil.
“Não estamos felizes com a China”
Ainda na segunda-feira Trump reiterava as dúvidas da administração sobre a estratégia chinesa: “Estamos a fazer investigações muito sérias. Não estamos felizes com a China (…) Há muitas coisas pelas quais eles podem ser responsabilizados (…) Acreditamos que poderíamos ter impedido isso na fonte. Poderíamos ter impedido que se espalhasse tão rápido e não se espalharia por todo o mundo”.
Perante as acusações de quem vendo objeto, Pequim mantém-se firme na narrativa de que enfrentou o novo coronavírus com clareza desde o primeiro surto da doença em Wuhan. Ontem, o executivo chinês veio classificar as acusações de Trump de “mentiras descaradas”.
Longe desse ponto de corte de financiamento à OMS, Camberra pede no entanto reformulações na organização que poderão passar para já pelo recrutamento de peritos independentes – à semelhança do que são os “inspectores de armamento” – cuja função será a investigação da fonte de grandes surtos no planeta.
Acicatada pelo posicionamento de Camberra, que Pequim lê como um ataque, a máquina diplomática entrou em ação. Uma das declarações apontava a Austrália “como a pastilha elástica no sapato de Pequim”. Menos irónico foi o aviso de que, ao “fazer o trabalho dos americanos”, os australianos colocavam em risco a relação bilateral e de comércio com a China.
“Os turistas podem ter dúvidas”
Numa entrevista esta terça-feira ao Australian Financial Review, o embaixador chinês em Camberra, Cheng Jingye, sugeriu que estava aberta a porta ao boicote chinês sobre produtos australianos como carne e vinho. Acrescenta-se aqui outro tipo de serviços: “Os turistas podem ter dúvidas. Talvez os pais dos alunos [chineses] também tenham dúvidas relativamente a este lugar [Austrália] ser acolhedor e agradável, mas antes hostil”, sublinhou o embaixador.
“Talvez as pessoas venham a perguntar-se: Por que devo beber vinho australiano? Comer bife australiano?”, deixou Cheng Jingye.
Com as relações já azedadas com questões como a militarização do Mar do Sul da China e, após a descoberta de casos de doações chinesas a políticos australianos, a aprovação na Austrália de legislação contra interferência estrangeira, o novo coronavírus poderá agora desencadear uma febre no Pacífico e levar ao deteriorar da maior parceria comercial da região.
Com informações de RTP