Pouco antes do fatídico 7 de setembro de 2021, o então presidente Jair Bolsonaro havia pedido um “sinal” para o povo para que, segundo ele próprio, pudesse tomar providências em meio à bagunça que o país virara com o avanço desenfreado do Supremo sobre os outros poderes. “O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”, disse aos seus apoiadores no famoso cercadinho no Palácio da Alvorada.
Bom, como todos sabemos, a sinalização veio, foi muito maior do que o esperado e resultou simplesmente na maior manifestação da história do país. Naquele 7 de setembro, milhões de pessoas saíram às ruas com o slogan “eu autorizo” para que finalmente providências fossem tomadas para libertar o Brasil daquilo que já se desenhava como o regime ditatorial hoje consolidado em nosso país. O movimento foi tão grande que superou as marchas que resultaram no impeachment de Dilma Roussef, em 2016.
“Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes”, diz a carta assinada por Bolsonaro publicada no dia 9 de setembro de 2021.
O desfecho dessa trágica história ainda ecoa na memória coletiva. Não houve ação, pelo menos não por parte do ex-presidente. Fomos surpreendidos com uma carta de desculpas redigida por Michel Temer, ex-vice de Dilma Roussef e por Bolsonaro. Logo, a reação a essa demonstração inédita de apoio popular aconteceu e foi uma escalada ainda maior de autoritarismo e perseguição, perpetrada pelo principal alvo das manifestações: o Supremo Tribunal Federal, e mais especificamente, Alexandre de Moraes, que encarnou todo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.
“Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez. Estes poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo.”
O que motivou as pessoas a se reunirem novamente em 7 de setembro do ano seguinte foi uma nova promessa de que aquela seria a última vez que precisariam protestar por liberdade. Bolsonaro convocou seus apoiadores afirmando que os “surdos de capa preta” iriam entender a “voz do povo”: “Nós somos a maioria, nós temos disposição para luta. Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez. Estes poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo.”
De fato foi a última vez, mas as pessoas não imaginavam por qual motivo.
Novamente os bolsonaristas atenderam ao chamado e compareceram em peso às ruas, não com o mesmo entusiasmo da primeira vez — por motivos óbvios — mas ainda assim, em grande número. Apesar de mais uma incrível demonstração de apoio, novamente nada aconteceu para frear a ditadura que se instaurava. Diante disso, Moraes pisou no acelerador e a caçada aos apoiadores do então presidente se intensificou ainda mais.
Era o fim, porém, naquela época, poucos compreenderam isso. Quando o governo Bolsonaro permitiu a entrada do ditador Nicolás Maduro no Brasil revogando a portaria que o proibia de pisar no país, a pedido do regime de Lula, a realidade começou a se impor sobre os mais otimistas — para não dizer desavisados ou atrasados: nada mudaria; estávamos totalmente à mercê dos predadores. Ignoramos aqui a pequena parcela de fanáticos que acreditavam que tudo fazia parte de uma estratégia de Bolsonaro para prender Maduro em solo brasileiro. O ditador não veio naquela ocasião, mas por decisão dele próprio. Não havia nenhuma restrição para que a visita acontecesse.
Aos poucos, as pessoas foram percebendo que a emblemática corda a que Bolsonaro se referia, aquela que sempre se esticava, mas nunca se rompia, estava metaforicamente apertando nossos pescoços. Em um piscar de olhos, o Supremo derrubou a cadeira sob nossos pés e o estrangulamento da democracia se concretizou.
Após toda essa narrativa de desastre, o que sobrou do 7 de setembro? Ou melhor, o que sobrou da política? Pode existir política genuína num regime ditatorial? Bem, há o que podemos chamar de oposição permitida. Até mesmo na infernal Coreia do Norte existe um parlamento de mentirinha.
Aqui, temos o Congresso que foi reduzido a peso de papel, sustentado por uma maioria de brasileiros que trabalham arduamente, ganham pouco e lutam diariamente para sobreviver em meio à violência alarmante, à falta de assistência médica e à negligência. Esse parlamento, que persiste às custas de tudo isso, se transformou em um enfeite luxuoso em Brasília, servindo apenas de fachada para dar uma ilusão de democracia a esta cruel ditadura que se instalou.
Os parlamentares da oposição continuam desempenhando suas funções como se as instituições estivessem funcionando plenamente, alguns deles fingindo manter a esperança de alcançar resultados positivos genuínos a contragosto dos donos do poder. O que mantém parte de seus eleitores minimamente engajados em causas perdidas. Uma parcela da população, psicologicamente incapaz de enxergar a gravidade da situação que nos afeta, mantém a ilusão de que existe uma saída política em um regime ditatorial comunista.
Este 7 de setembro será vazio.
Ruas vazias, militares vazios marchando sem objetivo e pessoas vazias de esperança e perspectiva para o futuro.