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Desde 2019 até junho de 2023, mais de 786 mil casos envolvendo pedidos de reconhecimento do vínculo de emprego foram iniciados na Justiça do Trabalho. Os dados, que constam de relatório produzido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), foram citados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em manifestação contrária ao uso da reclamação como medida para questionar decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a plataforma digital de oferta dos serviços de transporte a passageiros.
Segundo Augusto Aras, esses números sinalizam a possibilidade de aumento significativo da litigiosidade, pela via da reclamação constitucional na Suprema Corte, caso o STF admita o uso desse tipo de provocação contra decisões sobre o tema.
O parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) defende o provimento do recurso interposto por um prestador de serviços da Cabify – aplicativo de transporte de passageiros. O motorista busca reverter a decisão – proferida na Reclamação 59.795/MG ajuizada pela plataforma – que anulou os atos da Justiça do Trabalho em Minas Gerais, a qual havia reconhecido o vínculo empregatício dele com a empresa.
Por se tratar do fenômeno chamado de “uberização”, com grande repercussão na sociedade e sobre o qual o STF ainda não fixou uma tese a ser seguida por todas as demais instâncias do país, o PGR sustenta a necessidade de discussão ampla e democrática sobre os efeitos da relação entre motoristas e aplicativos. Na avaliação de Aras, isso poderia ser feito via recurso extraordinário, mas não por meio de reclamação constitucional. Prevista na Constituição Federal, a reclamação é um tipo de ação que serve para garantir o cumprimento de precedentes vinculantes já fixados pelo STF, os quais devem ser seguidos por todos os demais juízes e tribunais, a exemplo de precedentes fixados em ações de controle concentrado e em teses definidas em repercussão geral.
Além disso, segundo Aras, no caso em análise, a Justiça do Trabalho já reconheceu a existência dos elementos que configuram vínculo laboral na relação entre o motorista e a Cabify – como subordinação, pessoalidade e onerosidade – pois entendeu não se tratar de um trabalho eventual. Qualquer decisão em contrário, conforme pontua o parecer, implicaria na reanálise de fatos e provas, sendo que já há entendimento fixado pelo STF quanto à impossibilidade desse tipo de rediscussão em sede de reclamação constitucional.
Para o PGR, eventual modificação do panorama poderá alçar ao Supremo Tribunal Federal número vultoso de reclamações ao ponto de comprometer o princípio da efetividade da prestação jurisdicional. Ele também aponta que admitir a via da reclamação nesse caso poderia transformar o STF em tribunal de revisão de decisões da Justiça do Trabalho, em manifesta subversão ao seu papel de Corte Constitucional.
Caso concreto – Na Reclamação 59.795/MG, o ministro Alexandre de Moraes anulou os atos da Justiça Trabalhista e determinou a remessa dos autos de origem à Justiça comum, sob a alegação de ofensa à autoridade de decisões da Suprema Corte, em processos julgados anteriormente. No entanto, para Augusto Aras, não há relação entre os precedentes citados na ação e o caso em análise.
Na tentativa de reformar o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, a Cabify cita decisões do STF, com repercussão geral, que admitiram a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim em geral e, em particular, no serviço de transportador rodoviário de carga. Também alega suposto descumprimento de tese já firmada pelo STF sobre a incidência de Imposto sobre Serviços (ISS) nas relações pactuadas entre desenvolvedores de softwares e seus clientes.
No parecer, no entanto, o PGR enfatiza que as decisões citadas não guardam relação com a discussão trazida na ação de Minas Gerais. Segundo ele, os processos julgados pelo STF diferem do debate em torno do vínculo de emprego entre motorista de aplicativo e plataforma digital, não podendo ser usados como paradigmas para analisar o caso. “Em momento algum discutiu-se nos referidos precedentes a temática pertinente à impossibilidade quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício pelo Poder Judiciário em caso de fraude à legislação trabalhista ou à incompetência da Justiça do Trabalho para tratar da matéria”, pontua o procurador-geral.
Outro aspecto apontado por Aras é o uso da reclamação antes do esgotamento das possibilidades de recurso nas instâncias ordinárias. Segundo entendimento do próprio STF, o Código de Processo Civil proíbe o ajuizamento de reclamação para alegar afronta a teses firmadas com repercussão geral, quando ainda há possibilidade de recorrer aos tribunais de instância inferior. No caso de Minas Gerais, a Cabify apresentou novo recurso à Justiça Trabalhista questionando a decisão e, antes mesmo do seu julgamento, já ajuizou a reclamação no STF, o que não é permitido, segundo o PGR.
Precedentes – Aras lembra ainda que não há decisões da Suprema Corte no sentido de permitir o uso de contratações diversas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como tentativa de fraudar a relação de emprego. O STF já admitiu, por exemplo, a possibilidade de salões de beleza celebrarem com profissionais contrato de parceria para prestação de serviço. No entanto, decidiu que a existência do contrato não impede o reconhecimento do vínculo de emprego, quando presentes os elementos caracterizadores dessa relação. No caso dos motoristas de carga rodoviária, o Supremo também entendeu ser possível afastar a validade do contrato de prestação de serviços autônomos de transporte, se ficar comprovado que o motorista está trabalhando sob os requisitos do vínculo empregatício.
“Na visão da Suprema Corte, a utilização de outras formas de organização da produção e de pactuação da força de trabalho, distintas da relação empregatícia, somente se legitima quando não estiver sendo utilizada como instrumento para burlar o vínculo de emprego”, afirma o procurador-geral no parecer. Embora o STF reconheça a legitimidade de arranjos contratuais distintos do celetista, entende ser da Justiça do Trabalho a competência para verificar se na prática tais instrumentos estão sendo respeitados ou se são utilizados como meio de contornar o vínculo de emprego.
No parecer, o PGR também pontua que já tramita no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário 1.446.336/RJ, apresentado pela Uber do Brasil. A ação, ainda pendente de julgamento, discute o vínculo de emprego entre motorista de aplicativo e empresa administradora de plataforma digital. De acordo com Aras, essa é a via processual adequada para se discutir a matéria, dotada de complexidade fática e probatória, de modo aprofundado.
*Com informações de PGR