A possibilidade de redução ou mesmo isenção de pena a policiais que causarem morte durante sua atividade – o excludente de ilicitude – foi prometido pelo presidente Jair Bolsonaro ainda na campanha eleitoral. A medida foi incluída pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, em seu pacote anticrime, uma série de alterações na legislação que visa a endurecer o combate à criminalidade. O projeto foi apresentado em fevereiro à Câmara.
A morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, atingida por um tiro de fuzil dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão, no Rio, reabriu o debate sobre a questão durante o final de semana. O caso levou a um embate entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, sobre o pacote anticrime, que prevê punição mais branda a policiais que cometam excessos no combate ao crime.
A nova redação que o texto propõe no Código Penal para o chamado “excludente de ilicitude” permite que o policial que age para prevenir agressão ou risco de agressão a reféns seja considerado como se atuando em legítima defesa. Pela lei atual, o policial deve aguardar uma ameaça concreta ou o início do crime para, então, reagir. Para Moro, a proposta pretende diminuir a sensação de insegurança durante atuação policial.
Também há uma proposta de permitir que o juiz coloque em liberdade o acusado que tenha agido em condições de exclusão de ilicitude, desde que ele não seja reincidente ou não estiver envolvido na prática habitual de crimes ou integrar organização criminosa.
O texto, no entanto, não retira a necessidade de investigação, como chegou a ser defendido por Bolsonaro na campanha.
Críticas
A medida recebeu críticas assim que apresentada e foi tratada como uma espécie de “licença para matar” a policiais.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil afirmou que o excludente de ilicitude proposto no pacote anticrime, da maneira que está redigido, poderia ser usado até para “exculpar” policiais que cometerem feminicídio. A entidade não concorda com as expressões “medo”, “surpresa” e “violenta emoção” para livrar agentes de segurança que matarem em serviço, pois “podem abranger sentimentos como ódio, ira, paixão, tristeza e mágoa, emoções que não devem ser aceitas como excludentes de excesso de legítima defesa”.
Moro, porém, nega que o projeto represente uma “licença para matar”. Em artigo publicado em março para defender a medida, disse que o texto apenas descreve “situações de legítima defesa já admitidas pela prática”, como na prevenção de agressão a pessoas mantidas como reféns, por exemplo. O ministro ainda disse que a proposta regula a questão do excesso em legítima defesa, “reconhecendo que quem reage a uma agressão injusta pode exceder-se”.
Tramitação
A proposta de excludente de ilicitude, a exemplo do restante do pacote anticrime de Moro, está em discussão desde março em um grupo de trabalho da Câmara. O colegiado faz uma análise prévia de todo o projeto antes de iniciar o debate “para valer” das medidas em comissões e no plenário da Casa.
O grupo, porém, tem rejeitado boa parte do que propôs Moro e também deve derrubar este ponto, que já entrou na pauta nas últimas reuniões, mas não foi votado. Em protesto contra as derrotas em série, deputados do PSL – partido de Bolsonaro – abandonaram o grupo de trabalho na semana passada.
Numa tentativa de “salvar” o pacote, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da Comissão de Constituição e Justiça(CCJ), a mais importante da Câmara, anunciou na semana passada que vai pautar alguns pontos do pacote anticrime na comissão nas próximas semanas – entre eles o excludente de ilicitude.
A expectativa é conseguir aprovar a medida num colegiado maior e com a presença de mais parlamentares governistas.
–Conteúdo Estadão