Lara Arreguiz tinha 22 anos e passou nove horas no corredor do Hospital Iturraspe em Santa Fé, Argentina, esperando uma vaga na terapia intensiva. Ela havia sido diagnosticada no dia anterior e enviada para casa. Quando ela adoeceu novamente, sua mãe a levou para o hospital, mas não havia mais leitos de terapia intensiva.
Cansada, a jovem espreguiçou-se no chão e adormeceu. Quando eles finalmente conseguiram levá-la para a cama, era tarde demais – Lara morreu em poucas horas.
A última foto da estudante de veterinária dormindo no chão, coberta com uma jaqueta jeans e a cabeça apoiada em um saco, se tornou viral nas redes sociais e abriu a situação de pandemia aguda na Argentina.
Até agora, o discurso do governo de Alberto Fernández sobre a crise da saúde repetiu que, mesmo em tempos difíceis como o atual, não há ninguém sem assistência. “Eles podem criticar nossas medidas de combate à pandemia, mas a verdade é que não há imagens de pessoas morrendo em filas, caminhões refrigerados ou valas comuns na Argentina, como vimos. vê em outros países, como Equador e Peru “, disse o chef Santiago Cafiero, em recente encontro com jornalistas.
A imagem de Lara e o aumento no número de casos Covid podem em breve colocar suas palavras em dúvida. “Já estamos operando a plena capacidade e com enfermeiras e médicos exaustos. Essas imagens não vão demorar para se tornarem cada vez mais frequentes ”, disse à Folha Claudio Belocopitt, dono de um dos principais planos de saúde da França. Argentina, Swiss Medical.
Os números confirmam uma segunda onda muito mais grave que a primeira do ano passado. Na terça-feira (25), enquanto os argentinos comemoravam o Dia da Pátria com suas famílias, o país ultrapassou a marca de 75 mil mortos e registrou 576 mortes em um único dia.
Embora abaixo do recorde diário (foram 745 mortes em 18 de maio), a média móvel dos últimos sete dias é de 470 – extremamente alta para um país de 44,9 milhões de habitantes. Desde o início da pandemia, 3.586.736 pessoas foram infectadas e 75.056 morreram de coronavírus.
Na última sexta-feira (21), o governo decretou um lockout válido até o dia 30, que volta à fase inicial de enfrentamento da crise nas regiões consideradas mais críticas. As medidas se aplicam à região metropolitana de Buenos Aires, Rosário, Santa Fé, Córdoba, Mendoza e outros. Só são permitidas atividades essenciais, só os trabalhadores dessas áreas podem usar o transporte público, as aulas foram suspensas e os restaurantes só funcionam com entrega. Também é proibido dirigir entre 18h e 6h.
O governo também fechou 11 das 17 principais entradas da cidade de Buenos Aires e colocou controle de tráfego nas que estão abertas. Para entrar ou sair, você deve mostrar permissão do governo, o que nem todo mundo tem. As penalidades para os infratores variam de multa ao confisco do veículo.
A diferença com as regras adotadas em 2020 é que, na época, a oposição e o governo trabalhavam e comunicavam as decisões em conjunto. Agora, o presidente e os peronistas (que também governam a província de Buenos Aires e são maioria no Congresso) estão muito mais fragilizados politicamente.
Fernández, que ultrapassou a taxa de aprovação de 60% com as primeiras medidas severas contra a pandemia, agora é de apenas 36,7% e enfrenta protestos quase diários no centro da capital. Os protestos reúnem, entre outros grupos insatisfeitos, sindicatos contra cortes de empregos, enfermeiras da rede pública reclamando de atrasos salariais e organizações sociais exigindo mais planos para ajudar quem não pode trabalhar por causa do confinamento.
Segundo o Dr. Adolfo Rubinstein, ex-ministro da Saúde, quem vai às ruas na Argentina não nega a gravidade da situação. “Não vemos muita negação, como no Brasil”, afirma. “As pessoas aqui estão cansadas das longas quarentenas, da situação econômica, da falta de vacinas. Mas os conspiradores que são antivacinas e anticientíficos são minoria ”.
Entre os erros apontados por opositores às medidas de Fernández estão o fato de o governo não ter assinado contrato de compra de vacinas com a Pfizer no ano passado e a opção de uma aposta quase única no laboratório russo Gamaleya, que está atrasando a entrega da vacina os 10 milhões de doses do imunizador Sputnik.
A falta de recursos para ajudar as empresas em quarentena e o pequeno valor pago aos trabalhadores mais pobres também são questionados. Para piorar, há uma revolta em torno do escândalo do desvio da vacina para os políticos, no caso que passou a ser conhecido como o “portador da vacina”.
A desmoralização do governo é tanta que, após o anúncio do novo confinamento, milhares de pessoas decidiram deixar a cidade para ir à praia ou ao campo. Em resposta, a ministra da Segurança, Sabina Frederic, anunciou que eles não poderiam retornar até que as restrições terminassem – mas ela foi recusada pela própria população, que voltou mesmo assim e não havia como controlar o enorme fluxo.
Na cidade de Buenos Aires, controlada pela oposição, o chefe do governo, Horacio Rodríguez Larreta, fez vista grossa a algumas medidas mais duras, permitindo que alguns negócios operassem com a porta parcialmente fechada e restaurantes para receber clientes. em salões, o que é totalmente proibido pelo decreto em vigor.
Além da politização da crise sanitária, epidemiologistas concordam que a situação na Argentina é grave e tende a se agravar com a combinação das novas variantes com a disseminação do vírus, que não se concentra mais na região metropolitana de Buenos Aires , e aumento da pobreza., que afeta 42% da população.
“A pobreza faz circular o vírus, porque não há como evitar a concentração de pessoas em comunidades humildes que não dispõem dos elementos de higiene necessários”, explica o médico Carlos Javier Reggazoni, ex-presidente do PAMI (órgão de saúde pública). .
Para a Reggazoni, a solução não está na chegada de mais vacinas, como anuncia o governo, inclusive as da AstraZeneca fabricadas em colaboração com o México. É preciso, diz ele, aliar a vacinação a outras medidas, como contenção e rastreamento.
Até o momento, a Argentina aplicou uma dose da vacina em 19,6% da população e duas doses em apenas 5,4%.
Nos bairros pobres da grande Buenos Aires, o colapso dos hospitais já é uma realidade. Embora dados oficiais do governo indiquem que há 86% de ocupação das UTIs nesta região, é relatada uma situação mais caótica.
Segundo José Maria Malvido, diretor de infectologia do Hospital Balestrini, em La Matanza, por exemplo, há pacientes atendidos em leitos improvisados nos corredores e salas de exames. “Mas essas não são UTIs”, disse ele.
Ao contrário dos dados oficiais, a Sociedade Argentina de Terapia Intensiva afirma que em 11 províncias e na cidade de Buenos Aires (que tem status de província), a taxa de ocupação das UTIs é superior a 90%.
O aumento de casos está ligado a vários fatores, segundo Rubinstein. Entre eles, flexibilidade nos meses mais quentes, maior mobilidade, encontros sociais e o surgimento de novas variantes. “Mas não podemos culpar o vírus por sua mutação. Se não for verificado, sua natureza é sofrer mutação. O que precisamos é contê-lo antes que ele produza variações. ”
Para ele, uma maior coordenação entre os países da região para a adoção conjunta de medidas de fronteira, incluindo a detecção de casos, faria toda a diferença. “Não sabemos quantas variantes existem. Há indícios de que chegaram os de Manaus e da Inglaterra, mas não há dados suficientes de quantos e onde.”/ The Sentinel.
