Em uma semana generosa em fatos e em estranhos movimentos por parte do presidente da república, que a qualquer observador atento, no mínimo, sugerem que está em curso um grande acordo de acomodação de interesses e que culminou com a indicação de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República, um acontecimento passou quase desapercebido:
foi rejeitada no Senado a chamada “PEC das Liminares”, que pretendia proibir a concessão de liminares em caráter monocrático em ações de constitucionalidade; ou seja: impediria que um ministro sozinho suspendesse os efeitos de uma lei, decreto ou ato normativo, exigindo para isso uma decisão colegiada.
Seria uma limitação aos superpoderes, por exemplo, dos ministros do STF; não é raro que um único ministro, diante de uma ação de inconstitucionalidade, conceda uma liminar, suspendendo, sozinho, os efeitos de uma nova legislação que pode ter passado meses ou anos em tramitação no legislativo e que já tenha sido sancionada pelo chefe do executivo – situação em que um único juiz tem mais poder do que quase 600 parlamentares e o presidente da república juntos.
A PEC também previa o fim dos pedidos de vista por tempo indeterminado em todos os tribunais colegiados, passando a determinar um prazo (seis meses, prorrogáveis por mais três) e evitando que questões judiciais passem anos sem decisão apenas porque um dos membros do tribunal resolveu pedir mais tempo para análise: o que muitas vezes significa que uma “Excelência” qualquer resolveu se sentar em cima de um processo para evitar que o mesmo seja julgado
Para ser aprovado, o projeto precisava de 49 votos e recebeu apenas 15: em sua maioria, o Senado da República decidiu que não quer mexer com os poderes dos tribunais, especialmente com os poderes praticamente infinitos do STF.
Renan Calheiros votou contra: ele não quer confusão com o STF, onde dormem diversos processos em que está envolvido. A bancada do PT optou por se ausentar do plenário: petistas também não querem desagradar os ministros da Suprema Corte, alguns deles sempre tão prestativos às demandas do partido.
Mas a curiosidade vem agora: através de seu líder, Fernando Bezerra, o governo também votou contra. Sim: os representantes daquelas pessoas bravas, que se dizem inclementes contra a corrupção, que denunciam o aparelhamento das cortes superiores durante os últimos governos, que orientam sua militância mau-caráter nas redes sociais a repudiar qualquer discurso moderado e que endossaram certa declaração picareta segundo a qual seria possível fechar o STF apenas “com um cabo e um soldado”, afinaram, amarelaram, mostraram que o governo Bolsonaro gosta de posar de inimigo do establishment – ou, como prefere Olavo de Carvalho, do “estamento burocrático” – mas é tudo mentira.
Não seja o último a notar.