Natural de Araguari, no Triângulo Mineiro, a estudante Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, cometeu suicídio após ser vítima de uma onda de ataques que tiveram início após publicações em páginas de fofocas nas redes sociais que a pintavam como nova “affair” do humorista Whindersson Nunes. Perfis como a Choquei, uma das maiores do país, com cerca de 20 milhões de seguidores apenas no Instagram, publicaram prints de uma suposta conversa entre a estudante e o humorista. Mais tarde, ambos desmentiram a informação.
O desfecho trágico da história de Jéssica gerou uma grande comoção na internet e, consequentemente, o perfil de fofocas começou a definhar em seguidores e a receber inúmeras críticas pela divulgação de informações sem confirmar a veracidade dos fatos diretamente com as partes envolvidas na “fofoca” (especialidade da página).
As acusações sobre uma suposta responsabilidade da Choquei na morte da mineira inundaram o perfil da empresa no X, antigo Twitter. Mesmo após uma nota redigida pelo jurídico da página negando “qualquer irregularidade na divulgação das informações prestadas” sobre o alegado affair entre os dois, os usuários utilizaram a ferramenta de “notas da comunidade”, uma espécie de checagem da plataforma, para expor cobrar um posicionamento da página.
Desde o triste dia do falecimento de Jéssica, a Choquei viu uma redução repentina de mais de 1 milhão de seguidores em suas redes. No entanto, o que chama a minha atenção não é apenas a queda no número de seguidores, mas sim as razões que levaram as pessoas a finalmente se afastarem desse tipo de conteúdo raso, potencialmente nocivo e, na maioria das vezes, imbecilizador.
Com a manchete “grave” para chamar a atenção de quem procura conteúdo superficial, especialidade da página, a Choquei aborda desde futilidades como términos de relacionamentos de subcelebridades, desentendimentos entre youtubers, harmonização fácil de funkeiros, detalhes sobre o figurino escolhido por Anitta em um evento qualquer, até informações sobre a guerra na Ucrânia e decisões do governo Lula (apoiado abertamente pelo dono do perfil). O tom é sempre vasculhar a vida alheia.
Mas, vejam o tamanho do problema: mesmo em queda livre, estamos falando de uma página de fofocas que ainda conta com mais de 6 milhões de seguidores no X e (ainda) 20 milhões no Instagram. O sucesso de perfis assim é claramente um alerta vermelho de que algo vai muito errado com a sociedade brasileira.
Como mencionei anteriormente, o perfil não perdeu seu apelo de uma hora para outra devido ao conteúdo vazio e, majoritariamente, fútil. Na verdade, a situação evoluiu para essa condição porque uma considerável parcela de seu próprio público a acusa de irresponsabilidade ao disseminar uma “fofoca”, a qual resultou em uma tragédia.
E sim, muitas dessas pessoas demonstram maior interesse no resultado da harmonização facial de um influencer digital – que a maioria dos meus leitores provavelmente nunca ouviu falar – do que nas flutuações da inflação, que, por sua vez, terá um impacto direto em suas finanças ao final do mês, comprometendo parte de sua qualidade de vida. Poucos dos consumidores desse “produto” queimador de neurônios dedicam tempo para explorar obras de autores que poderiam enriquecer significativamente sua compreensão sobre si mesmos. O lixo cultural sempre prevalece!
A realidade é que a Choquei não perderia tantos seguidores “apenas” pela mediocridade de suas postagens e isso ocorre porque uma parcela significativa da população brasileira consome avidamente esse tipo de material diariamente. Caso não queira esbarrar em um “princípio de depressão”, evite consultar quais músicas estão em alta no Youtube Brasil semanalmente.
Estamos no país que ano após ano figura entre os últimos no ranking da educação e que torna funkeiros (que escrevem letras como “Ela não pode ver o gordin que a buc** logo pisca. Sabe que ele é o trem-bala e taca a pic** nas menina”), famosos e multimilionários.
Uma sociedade viciada na mediocridade não tem clareza de pensamento e é incapaz de defender direitos que desconhece. Torna-se alienada e facilmente manipulável, subjugada por qualquer indivíduo menos imbecil e disposto a praticar o mal. Pessoas que riem diante da desgraça do nosso país dificilmente têm responsabilidades mais amplas, como a preocupação na criação dos filhos ou simplesmente não tiveram acesso à educação de qualidade e, portanto, desconhecem seus próprios algozes.
Os elementos da mediocridade e da ausência de educação são componentes essenciais na receita para a total desestruturação e consequente subversão de uma sociedade. Um prato cheio servido de bandeja para o Estado totalitário. Bem-vindos ao Brasil, onde a Choquei faz sucesso!
