A favor da Lava Jato, uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF) está se unindo para conseguir derrubar a decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que determina o compartilhamento de todos os dados de investigações da operação com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Para forçar o julgamento do tema, uma das estratégias que estão sendo vistas é o relator, ministro Edson Fachin, anexar o caso em agosto, na volta do recesso, em plenário virtual, não dependendo assim do presidente para ser pautado.
Caso isso ocorra a decisão teria que ser discutida online ou Toffoli se veria obrigado a levar o tema para análise conjunta por videoconferência, como vêm sendo realizadas as sessões da corte.
A decisão liminar (provisória) do dia 8 de junho dividiu o tribunal nos bastidores e, na avaliação de ministros ouvidos reservadamente, pode até ser derrubada caso venha a ser debatida por todos os integrantes.
Toffoli tomou a decisão a pedido da PGR, que relatou ao Supremo ter enfrentado “resistência ao compartilhamento e à supervisão de informações” dos procuradores da República.
Porém, uma ala da corte, avaliou que a decisão de Toffoli foi muito ampla e não respeitou a jurisprudência atual sobre a necessidade de indicação de fatos e pessoas específicas para justificar o acesso a dados sigilosos.
Os ministros destacaram que o STF tem o hábito de se unir para julgar temas sociais e também para invalidar medidas do governo federal sobre o novo coronavírus, o que agora não vem acontecendo quando o assunto são os rumos da Lava Jato.
Avaliando dessa forma, essa tem que ser mais uma decisão importante para a jurisprudência em relação aos chamados crimes do colarinho que rachará a corte.
Em situações similares, a Lava Jato acumulou vitórias e derrotas no Supremo, com placares apertados.
Como o caso, por exemplo, dos julgamentos da prisão após segunda instância, da competência da Justiça Eleitoral para analisar crimes comuns conexos a delitos eleitorais e do que discutiu se o Congresso teria a palavra final sobre ordens judiciais que interfiram em mandato eletivo.
Em todos os casos, os ministros Edson Fachin, relator dos processos da Lava Jato na corte, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux ficaram unidos a favor da decisão mais benéfica para a operação, enquanto Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski ficaram na oposição.
Os outros cinco integrantes do STF oscilam e suas posições costumam determinar o rumo do julgamento.
Dessa forma a única maneira de isso não se repetir, na avaliação de integrantes da corte, é se forem reveladas condutas muito graves por parte dos procuradores.
Caso isso ocorra, poderia acontecer algo similar ao que se deu com o inquérito das fake news, que foi criticado inicialmente, mas ganhou maioria na corte após a revelação da existência de uma rede profissional de ataques ao Supremo.
Atualmente, nem a hipótese de a Lava Jato ter investigado sem autorização judicial os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), seduz a ala lavajatista do STF a se alinhar a Toffoli.
O ideal para o caso seria a PGR requerer o intercâmbio de dados relacionados às pessoas especificamente atingidas pela apuração ilegal, e não uma solicitação geral, como foi feito.
Algo que também veio a atrair a atenção dos ministros foi o momento escolhido para apresentar a ação.
A PGR havia requisitado acesso aos dados em 13 de maio, mas deixou para fazer o pedido no início do recesso, com Toffoli na chefia do plantão e a tempo de escapar de Fachin, relator natural do caso e contumaz defensor da atuação dos procuradores.
O presidente da corte também decidiu emitir a decisão no começo das férias, o que dará tempo para a PGR ter conhecimento dos dados antes de o tema ser discutido no plenário.
A medida de Toffoli foi concedida às forças-tarefas da operação em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Os três grupos vão recorrer, porém, ainda não definiram o meio processual mais conveniente para tentar reverter a decisão.
Mesmo a PGR tendo acesso a todos os dados já no recesso, ainda assim uma decisão do plenário sobre o tema deve definir se a Procuradoria poderá, de fato, usar os elementos colhidos para abrir procedimento contra os procuradores.
Dois dias depois da decisão, a ONG Transparência Internacional fez críticas a atuação de Toffoli e apurou que o entendimento “ameaça gravemente a autonomia dos órgãos de investigação”.
Já Gilmar Mendes decidiu usar suas redes sociais para elogiar a decisão e disse que “os episódios recentes provam que é imperativo aprimorar a governança do Ministério Público”, além de destacar o princípio da unidade do órgão.
Outro detalhe que chamou a atenção dos integrantes do tribunal é a vinculação entre a decisão de Toffoli e o julgamento de maio quando o STF barrou medida provisória do governo que determinava o compartilhamento de dados de companhias telefônicas com o IBGE.
No caso envolvendo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, foi a primeira vez em que o STF reconheceu a proteção de dados dos cidadãos como direito fundamental autônomo.
Após isso, as informações ganharam uma segurança constitucional que reforça a necessidade de decisão judicial contra pessoas específicas e com condutas individualizadas para justificar o acesso irrestrito ao banco de dados da Lava Jato.
A PGR argumentou no pedido para verificar os elementos colhidos pela apuração, que as informações vão servir para subsidiar a atuação de Augusto Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos Poderes públicos e coordenar as atividades do MPF (Ministério Público Federal).
Ao dar decisão favorável, Toffoli disse que a jurisprudência atual do STF prevê esse tipo de compartilhamento dentro do mesmo órgão e ainda destacou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público.
O presidente da corte escreveu que a atuação coordenada da instituição está estabelecida no artigo 127 da Constituição e foi recentemente reafirmada pelo plenário do tribunal.