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Foto: Pedro França/Agência Senado

Política

As mensagens de WhatsApp do celular de Marcos do Val

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As mensagens do celular do senador Marcos do Val, do Podemos-ES, foram periciadas pela Polícia Federal e revelaram uma possível articulação para um golpe de Estado. Segundo relatório da Polícia Federal obtido pelo portal Metrópoles, as conversas mostram que o senador estava em contato tanto com o presidente Bolsonaro quanto com o ex-deputado Daniel Silveira para tratar desse plano, que envolvia gravar o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e abrir caminho para uma intervenção militar no país.

No entanto, ao mesmo tempo, Do Val mantinha Moraes informado sobre seus passos. Em uma das conversas, o parlamentar relata a um grupo de amigas sobre uma reunião com Silveira e Bolsonaro com o suposto objetivo de gravar Moraes, mencionando que ele tem informações para prejudicar tanto Bolsonaro quanto Lula.

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Em uma das mensagens, o senador estava em contato com Daniel Silveira e se encontrava com o presidente Bolsonaro, discutindo um plano que visava derrubar Alexandre e cancelar as eleições. Ao mesmo tempo, ele informava ao ministro do STF em tempo real, relatando sobre as tentativas do ex-presidente e do deputado cassado de cooptá-lo para executar o plano. O senador era o personagem central desse plano, que envolvia a tentativa de gravar Moraes durante uma conversa sobre o processo eleitoral. O intuito era usar a gravação para que militares pró-Bolsonaro anulassem a eleição, decretassem uma intervenção no país e impedisse a posse de Lula.

Esses são os principais eventos da trama, conforme descrito no relatório da Polícia Federal, que reconstruiu a história com base nas mensagens capturadas no WhatsApp de Marcos do Val.

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No dia 6 de dezembro de 2022, o ex-deputado federal Daniel Silveira procura o senador Marcos do Val para discutir um plano que ele acredita ter potencial para impactar a história do país. Silveira enfatiza a importância dessa missão e afirma que apenas três pessoas, incluindo eles, estão envolvidas atualmente, com a possibilidade de envolver outras cinco após a conclusão.

No dia seguinte, em 7 de dezembro, Marcos do Val informa o ministro Alexandre de Moraes sobre o contato com Silveira e expressa sua preocupação com a situação, afirmando que o presidente Bolsonaro foi quem pediu para Silveira contatá-lo. Moraes oferece-se para conversar pessoalmente e sugere um encontro no Salão Branco do STF. O senador envia prints das mensagens recebidas de Silveira para o ministro, que concorda em guardar as informações.

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 “Você tem nas mãos uma oportunidade única”, escreveu Silveira a Do Val. “Uma pessoa importante pediu que fale com você”, insistiu. “Você tem algo nas mãos que salva o Brasil, literalmente”, acrescentou. Os dois finalmente conversam. Silveira reitera a importância da tal missão: “Irmão, essa missão está restrita a três pessoas e só irá ficar, provavelmente, com mais cinco após concluída. Cinco estrelas”.

Já no dia 8 de dezembro, o senador conta ao ministro que Daniel Silveira havia ido ao encontro dele, nas proximidades do Congresso Nacional, e telefonado para Jair Bolsonaro. Na ligação, o então presidente teria pedido para falar com o senador. “Bom dia, ministro. Ontem à noite estava no plenário (do Senado) e o Daniel Silveira foi até a mim e lá fora ligou para o Bolsonaro. Bolsonaro pediu para falar comigo e me perguntou se poderia encontrar com ele hoje no fim da tarde. O objetivo é mesmo derrubar o presidente Lula. Quando sair da reunião, faço contato”, escreveu Marcos do Val.

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Ao mesmo tempo, as tratativas de Marcos do Val com Daniel Silveira continuam. Os dois se falam o tempo todo por mensagem. Estão de prontidão para o tal encontro com Bolsonaro. Silveira se mostra animado. ”Após isso ser feito (referindo-se à missão), será um acontecimento histórico. Todos serão levados às posições que devem estar. De heróis e de traidores. A sua estará definida e marcada como um herói, só”, afirma Daniel Silveira, na sequência o senador responde: “O importante é a missão ser um sucesso!”. Pouco antes, Daniel Silveira explicou: “(Você) precisa entender: caso o objetivo (gravar Alexandre) seja alcançado em situação de aceitar a missão, o conteúdo não será publicizado ou utilizado de forma midiática. Será única e exclusivamente para pautar, com total integralidade (sic), a ação a ser tomada que já está desenhada e pronta para implementar”. Do Val faz perguntas que, pelo teor, tinham por objetivo entender se a missão estava amparada pelas forças militares.

Marcos do Val e Daniel Silveira combinam de se encontrar para, então, seguirem juntos até Bolsonaro. O ponto de encontro é um estacionamento entre o Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, e o Palácio da Alvorada. De lá, um carro iria apanhá-los e levá-los ao então presidente. A operação é cercada de cuidados. “Encaminhei a localização, mas tu não entra, não… Não entra no Alvorada… E nem chega perto da entrada… Tu não vai aparecer, não. Vai parar o carro no estacionamento que eu vou te mandar a localização… Eu vou estar ali já. E o carro vai vir buscar a gente”, alertou Daniel Silveira por meio de um áudio. Não fica claro se a conversa com Bolsonaro se deu no Alvorada ou um pouco mais longe dali, na Granja do Torto, residência de campo da Presidência (Marcos do Val, ao se referir posteriormente a esse encontro, diz várias vezes que ele ocorreu na Granja). Pelas mensagens, a conversa com Bolsonaro durou menos de uma hora.

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Já depois do encontro com Bolsonaro, Daniel Silveira envia mensagens ao senador dando mais detalhes do plano. “Como tivemos pouco tempo, não passei o que entendo como diretriz para que você adapte à sua maneira. Contudo, já tenho escutas usadas pelas operações especiais. Tenho veículo receptor que pode imediatamente reproduzir além da gravação e essa operação ficar restrita a um círculo de 5 pessoas. Três estavam sentadas hoje conversando juntos”, diz o ex-deputado, ainda tentando encorajar o senador. Ao mencionar as três pessoas que haviam conversado naquele dia, Silveira se referia, por óbvio, a ele próprio, a Marcos do Val e a Bolsonaro. “Vou fazer a minha análise de risco e na segunda-feira voltamos a falar”, responde o senador. “Claro, contudo, não há riscos. Uma vez que o objetivo for alcançado, estará resolvida a questão. Caso não extraia nada (da tentativa de gravação de Moraes), é descartado o conteúdo e ninguém saberá. Não sei se compreendeu a magnitude desta ação. Ele define, literalmente, o futuro de toda a nação”, prossegue Silveira, quase como um líder terrorista arregimentando um seguidor para lançar-se como homem-bomba.

Daniel Silveira faz um pedido adicional a Marcos do Val: “Insisto em dizer que é uma oportunidade ímpar e peço não comente com absolutamente ninguém. Mesmo com esposa e qualquer familiar ou conselheiro. Essa é uma ação que somente você e seu consciente devem analisar”. Sem apontar exatamente quem, o ex-deputado diz ainda que o senador, no plano, estaria respaldado por gente importante. “Você tem a palavra e o respaldo de pessoas muito importantes e relevantes que decidiram não participar da conversa para não exporem ou assustarem. No entanto, estão todos em uma esperança sem precedentes, pois somente com você o cenário da missão é possível, pois existe uma brecha aberta que não irá se abrir a ninguém”, emenda. A brecha aberta, no caso, era a possibilidade de Marcos do Val falar com Alexandre de Moraes e poder gravá-lo.

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Não se sabe exatamente quem estava traindo quem, mas, no mesmo dia, Marcos do Val segue firme na toada de manter Alexandre de Moraes informado de cada passo da tal operação aloprada. “Saí agora da reunião… Amanhã às 18:00 estarei retornando para o estado e volto para Brasília na próxima terça-feira”, escreve o senador, via WhatsApp, para Alexandre de Moraes. Ele envia também um print ao ministro onde se lê: “Se aceitar a missão, parafraseando o 01, salvamos o Brasil”. Como não houve resposta, no dia seguinte pela manhã, o senador reforça a mensagem para Alexandre: “Bom dia, ministro! Esqueci de dizer que essa mensagem acima é do Daniel Silveira, após o encontro com o presidente”.

A despeito do pedido de Daniel Silveira para guardar segredo, Marcos do Val compartilha o plano com assessores e também num grupo de “amigas”. Ele se gaba do papel que teria na história, ora se colocando como uma peça que ajudaria o bolsonarismo, ora se vendendo, como boa dose de megalomania, como alguém que passaria a ter os dois lados da política nacional nas mãos. “A missão entrará para a história do Brasil/mundo”, escreve num grupo com assessores. Em outro grupo, intitulado “Amigas para a eternidade”, ele diz: “Acabei de sair da Granja do Torto (residência do presidente). Ele me chamou com urgência e me pediu uma ajuda em uma missão para o Lula não ser empossado”.

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Mensagens trocadas com Bolsonaro
Em 9 de dezembro, Marcos do Val escreve para Bolsonaro: “Bom dia, presidente! Foi um grande prazer estar com você ontem. Dá para ver no seu olhar um desejo impressionante de ajudar o Brasil. Desta lista que você me enviou (refere-se a uma lista que Bolsonaro havia enviado com nomes de políticos que estariam sob risco de ficar inelegíveis em razão de ligações com os atos antidemocráticos), só o Magno Malta (também bolsonarista e também senador pelo Espírito Santo) que não consigo gostar. É uma pessoa que está sempre aproveito (sic) do sofrimento alheio para se sobressair. Enfim… Independente de qualquer situação, estarei ombreado com você. Durante os últimos 4 anos, não fiquei mais próximo porque eu sei que isso sufoca e não queria trazer mais trabalho”. Bolsonaro é curto na resposta: “Um abraço”.

No dia 9 de dezembro Marcos do Val escreve novamente para Alexandre de Moraes. Desta vez, ele diz ao ministro que o plano incluía não só afastá-lo das funções no STF, mas também prendê-lo. Desta vez, o senador procura tirar o peso do papel de Bolsonaro no plano. Joga a maior parte da responsabilidade em Daniel Silveira. Escreve o senador: “Boa noite, ministro! Desculpa incomodá-lo no seu horário de descanso. Acabei de pousar no meu estado, só retorno para Brasília na próxima terça-feira. Mas preciso adiantar uma parte do encontro que considero de alto grau de importância. Quem está fazendo toda movimentação com objetivo de levá-lo à perda da função de ministro e até ser preso, é o DS (Daniel Silveira). O PR (presidente da República) não está fazendo nenhum movimento neste sentido. O DS que está tentando convencê-lo, dizendo ao PR que eu conseguiria adquirir as peças fundamentais para que a missão fosse um sucesso. Para dar mais tempo de saber como proceder diante desse sensível assunto, falei que voltaríamos a conversar na próxima semana. Toda conversa foi na Granja e entrei junto com o DS sem precisar me identificar. Não sujaria o meu nome e a minha honra, compactuando com essa missão. Sou um democrata ferrenho e um admirador da sua coragem em prol do Brasil. Os detalhes de como seria essa missão posso te passar pessoalmente ou da forma que achar melhor”.

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Três dias depois, Marcos do Val volta a escrever para a Alexandre. Reitera que gostaria de vê-lo para falar do encontro com Bolsonaro e Daniel Silveira. Diz que os dois haviam lhe pedido “uma ação esdrúxula, imoral e até criminal”. O ministro se dispõe a recebê-lo. Diz que estava em Brasília e que, no fim de semana, iria para São Paulo. Marcos do Val então envia novos prints de conversas com Daniel Silveira e, em 13 de dezembro, confirma para o dia seguinte um encontro presencial com Alexandre no Salão Branco do STF.

No mesmo dia 13, logo cedo, Daniel Silveira chama Marcos do Val. Por mensagem, avisa que estava a caminho de Brasília e que gostaria de encontrá-lo para “fechar aquela conversa”. Era para, supostamente, acertar a execução do plano de gravar Moraes. Do Val demora na resposta. Quando finalmente responde, o dia já estava no fim. É quando o senador dá uma resposta que a PF, na análise do relatório, considerou “estranha”: “Devido a outra função que exerço, tive que reportar para a inteligência americana” (leia mais aqui). Um dia depois, em uma curta mensagem, Marcos do Val diz a Daniel Silveira que não toparia a empreitada. “Irmão, vou declinar da missão.” Silveira responde: “Entendo… obrigado”.

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Nos dias próximos à publicação da entrevista em que denunciou na revista Veja a suposta trama golpista (depois, voltou atrás e tentou desdizer a denúncia), Marcos do Val se gaba do que havia contado aos repórteres. No tal grupo de amigas, ele escreve: “Sexta-feira vai explodir uma bomba no Brasil”. Dizendo acreditar que suas “revelações” poderiam resultar na prisão de Bolsonaro e de Daniel Silveira, ele escreve ainda: “A matéria vai sair como um senador que evitou um golpe de estado”. E mais, indicando o que poderia ser sua intenção com o jogo duplo: “Estou com a bomba na mão para destruir Bolsonaro e outra para destruir o Lula”. Ao mesmo tempo, o senador procura tanto Alexandre Moraes quanto Jair Bolsonaro para dar explicações – a cada um conta uma história diferente, diga-se. Para Alexandre, em 30 de janeiro deste ano, disse que a revista tinha tido acesso às mensagens trocadas com Daniel Silveira e o havia procurado para falar do assunto. “A respeito daquele assunto do Daniel e Bolsonaro pedirem para ajudá-los no golpe de estado (…) a Veja teve acesso às conversas do Daniel e contextualizei para eles a minha ida até vossa excelência, para relatar os fatos.” Para Bolsonaro, ele relata ter sido procurado pelos jornalistas para falar do encontro que tivera em dezembro com Daniel Silveira e com o então presidente e procura justificar o fato de ter levado o assunto a Alexandre. Também compartilha prints, mas, espertamente, só aqueles nos quais tirava o peso do papel de Bolsonaro no plano golpista. E atribui o vazamento da história a Flávio Dino, ministro da Justiça de Lula. A resposta de Bolsonaro, curta, é curiosa e sintetiza a trama em seus diferentes aspectos, qualquer que tenha sido a intenção dos envolvidos. “Coisa de maluco”, limita-se a dizer o já ex-presidente.

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