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Seis dos espiões russos, no sentido horário a partir do canto superior esquerdo: Yekaterina Leonidovna Danilova, Vladimir Aleksandrovich Danilov, Roman Olegovich Koval, Aleksandr Andreyevich Utekhin, Irina Alekseyevna Antonova e Olga Igorevna Tyutereva.

Brasil

“Fábrica de Espiões” de Putin no Brasil é Desmantelada; Agentes Incluíam Empresários e Estudantes

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Artem Shmyrev enganou a todos. O agente de inteligência russo parecia ter construído uma identidade de fachada perfeita. Ele administrava uma próspera empresa de impressão 3D e dividia um apartamento luxuoso no Rio de Janeiro com sua namorada brasileira e um adorável gato Maine Coon laranja e branco,  revelou o The New York Times, nesta quarta-feira (21).
Mais importante, ele possuía uma certidão de nascimento e um passaporte autênticos confirmando seu pseudônimo, Gerhard Daniel Campos Wittich, um cidadão brasileiro de 34 anos.
Após seis anos escondido, ele estava ansioso para começar a espionar de verdade.
“Ninguém quer se sentir um perdedor”, escreveu ele em uma mensagem de texto de 2021 para sua esposa russa, também agente de inteligência, usando um inglês ruim. “É por isso que continuo trabalhando e esperando.”
Ele não estava sozinho. Durante anos, segundo uma investigação do New York Times, a Rússia usou o Brasil como base de lançamento para seus oficiais de inteligência de elite, conhecidos como ilegais. Em uma operação ousada e de longo alcance, os espiões abandonaram seu passado russo. Eles abriram negócios, fizeram amigos e iniciaram relacionamentos românticos — eventos que, ao longo de muitos anos, formaram a base de identidades completamente novas.
Grandes operações de espionagem russa foram descobertas no passado, inclusive nos Estados Unidos em 2010. Esta era diferente. O objetivo não era espionar o Brasil, mas se tornar brasileiro. Uma vez inseridos em histórias confiáveis, eles partiam para os Estados Unidos, Europa ou Oriente Médio e começavam a trabalhar de fato.
Os russos transformaram o Brasil em uma linha de montagem para agentes secretos como Shmyrev.
Um deles abriu um negócio de joias. Outra era uma modelo loira de olhos azuis. Um terceiro foi admitido em uma universidade americana. Havia um pesquisador brasileiro que conseguiu um emprego na Noruega e um casal que acabou indo para Portugal.
Então tudo desmoronou.
Nos últimos três anos, agentes de contrainteligência brasileiros perseguiram esses espiões de forma silenciosa e metódica. Graças ao trabalho policial minucioso, eles descobriram um padrão que permitiu identificar os espiões, um por um.
Agentes descobriram pelo menos nove policiais russos operando sob identidades brasileiras, segundo documentos e entrevistas. Seis nunca haviam sido identificados publicamente até agora. A investigação já abrangeu pelo menos oito países, segundo agentes, com informações vindas dos Estados Unidos, Israel, Holanda, Uruguai e outros serviços de segurança ocidentais.
Usando centenas de documentos investigativos e entrevistas com dezenas de autoridades policiais e de inteligência em três continentes, o The Times reuniu detalhes da operação de espionagem russa no Brasil e do esforço secreto para desmantelá-la.
Desmantelar a fábrica de espionagem do Kremlin foi mais do que uma simples operação de contrainteligência de rotina. Foi parte das consequências danosas de uma década de agressão russa. Espiões russos ajudaram a derrubar um avião de passageiros que voava de Amsterdã em 2014. Eles interferiram em eleições nos Estados Unidos, França e outros países. Eles envenenaram supostos inimigos e planejaram golpes.
Mas foi a decisão do presidente Vladimir V. Putin de invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022 que galvanizou uma resposta global aos espiões russos, mesmo em partes do mundo onde tais agentes há muito desfrutavam de certa impunidade. Entre esses países estava o Brasil, que historicamente mantém relações amistosas com a Rússia.
A investigação brasileira representou um golpe devastador no programa de imigração ilegal de Moscou. Ele eliminou um quadro de oficiais altamente treinados que serão difíceis de substituir. Pelo menos dois foram presos. Outros fugiram às pressas para a Rússia. Uma vez que seus disfarces sejam descobertos, eles provavelmente nunca mais trabalharão no exterior.
No centro dessa derrota extraordinária estava uma equipe de agentes de contrainteligência da Polícia Federal do Brasil, a mesma unidade que investigou o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro por planejar um golpe.
De sua moderna sede de vidro na capital, Brasília, eles passaram anos vasculhando milhões de registros de identidade brasileiros, em busca de padrões.
Ficou conhecida como Operação Leste.
Fantasmas no sistema
No início de abril de 2022, poucos meses após as tropas russas entrarem na Ucrânia, a CIA enviou uma mensagem urgente e extraordinária à Polícia Federal brasileira.
Os americanos relataram que um oficial disfarçado da inteligência militar russa havia chegado recentemente à Holanda para estagiar no Tribunal Penal Internacional, justamente quando o tribunal começava a investigar crimes de guerra russos na Ucrânia.
O aspirante a estagiário viajava com passaporte brasileiro sob o nome de Victor Muller Ferreira. Ele obteve seu diploma de pós-graduação pela Universidade Johns Hopkins com esse nome. Mas seu nome verdadeiro, segundo a CIA, era Sergey Cherkasov. Autoridades da fronteira holandesa negaram sua entrada, e ele estava agora em um avião com destino a São Paulo.
Com poucas evidências e apenas algumas horas para agir, os brasileiros não tinham autoridade para deter Cherkasov no aeroporto. Assim, durante vários dias agonizantes, a polícia o manteve sob rigorosa vigilância enquanto ele permaneceu em liberdade em um hotel de São Paulo.
Por fim, os agentes obtiveram um mandado de prisão e o prenderam, não por espionagem, mas pela acusação mais modesta de uso de documentos fraudulentos.
Mesmo isso acabou se revelando um caso muito mais difícil do que qualquer um esperava. Durante o interrogatório, Cherkasov pareceu arrogante e insistiu que era brasileiro. E ele tinha os documentos para provar isso.
Seu passaporte azul brasileiro era autêntico. Ele tinha um título de eleitor brasileiro, conforme exigido por lei, e um certificado comprovando que havia cumprido o serviço militar obrigatório.
Eram todos autênticos.
“Não havia nenhuma conexão entre ele e a grande Mãe Rússia”, disse um investigador da Polícia Federal, que, como outros, falou sob condição de anonimato porque a investigação está em andamento.
Foi somente quando a polícia encontrou sua certidão de nascimento que a história de Cherkasov e toda a operação russa no Brasil começaram a ser desvendadas.
No passado, espiões russos costumavam obter documentos de identidade assumindo a identidade de pessoas mortas, geralmente bebês.
Não neste caso. Os agentes determinaram que Victor Muller Ferreira nunca existiu. No entanto, ele tinha uma certidão de nascimento verdadeira.
O documento indicava que Victor Muller Ferreira nasceu no Rio de Janeiro em 1989, filho de uma mãe brasileira, pessoa real que faleceu quatro anos depois.
Mas quando a polícia localizou sua família, os policiais descobriram que a mulher nunca teve um filho. As autoridades nunca encontraram ninguém com o nome do pai.
A descoberta levantou questões surpreendentes. Como um espião russo obteve documentos autênticos com um nome falso? E o mais importante: a polícia se perguntou: se um espião conseguiu, por que outros não conseguiriam?
Agentes federais começaram a procurar o que chamavam de “fantasmas”: pessoas com certidões de nascimento legítimas que passaram a vida sem nenhum registro de terem estado no Brasil e que de repente apareceram como adultos, reunindo rapidamente documentos de identificação.
Para encontrar esses fantasmas, os agentes começaram a procurar padrões em milhões de certidões de nascimento, passaportes, carteiras de motorista e números de previdência social.
Parte dessa busca poderia ser automatizada, mas nem todas as bases de dados brasileiras podem ser facilmente vinculadas e consultadas digitalmente. Grande parte disso teve que ser feito manualmente.
Essa análise permitiu que a Operação Leste desvendasse toda a operação russa.
“Tudo começou com Sergei”, disse um alto funcionário brasileiro.
Os favoritos de Putin
Todos os espiões, independentemente do país para o qual trabalham, enfrentam o mesmo desafio: criar uma identidade falsa que resista ao escrutínio.
Durante gerações, agentes secretos usaram passaportes falsos, nomes roubados e álibis bem ensaiados. A era digital, em que quase todo mundo tem algum histórico na internet, tornou as coisas muito mais complicadas.
Este é um problema particularmente sério para a Rússia. Isso ocorre porque, embora todos os serviços de inteligência empreguem agentes secretos, a maioria depende de redes de informantes locais para fazer o trabalho sujo de coletar informações. A Rússia é um caso único. Desde os primeiros anos da União Soviética, agentes secretos se comprometeram com uma vida inteira de serviço, vivendo e trabalhando como pessoas completamente diferentes.
O próprio Putin reconheceu ter supervisionado espiões soviéticos disfarçados enquanto estava na Alemanha Oriental como um jovem oficial da KGB no final da Guerra Fria.
“Eles são pessoas especiais, com qualidades especiais, convicções especiais e caráter especial”, disse ele em uma entrevista na televisão em 2017. “Deixar sua antiga vida para trás, deixar seus entes queridos e familiares para trás, deixar seu país para trás por muitos e muitos anos para dedicar sua vida a servir sua pátria — isso não é algo que todos podem fazer. Apenas alguns poucos escolhidos podem fazê-lo, e digo isso sem exagero.”
O Brasil parecia um lugar ideal para que os espiões escolhidos por Putin construíssem suas histórias. O passaporte brasileiro é um dos mais úteis do mundo, permitindo viajar sem visto para quase tantos países quanto o americano. É improvável que alguém com traços europeus e um leve sotaque se destaque no Brasil multiétnico.
E, enquanto muitos países exigem a verificação de um hospital ou médico antes de emitir uma certidão de nascimento, o Brasil permite uma exceção para os nascidos em áreas rurais. As autoridades emitirão uma certidão de nascimento para qualquer pessoa que declare, na presença de duas testemunhas, que o bebê nasceu de pelo menos um progenitor brasileiro.
O sistema também é descentralizado e vulnerável à corrupção local.
Com a certidão de nascimento em mãos, é apenas uma questão de solicitar o registro eleitoral, a documentação militar e, finalmente, o passaporte.
Uma vez obtido, um espião pode ir para quase qualquer parte do mundo.
Uma brecha no caso
Um dos primeiros nomes que surgiram quando os investigadores iniciaram sua busca foi o de Gerhard Daniel Campos Wittich. Ele parecia se encaixar no padrão.
Sua certidão de nascimento indicava que ele nasceu no Rio em 1986, mas parecia ter surgido do nada em 2015.
Quando os agentes começaram a investigar, Shmyrev havia construído uma identidade secreta tão convincente que nem mesmo sua namorada e colegas tinham ideia. Ele falava português fluentemente, com um sotaque que, segundo ele, era resultado de uma infância passada na Áustria.
Ele parecia se dedicar completamente à sua empresa de impressão, 3D Rio, que criou do zero e pela qual parecia realmente se importar, segundo seus ex-colegas.
Passava longas horas trabalhando no 16º andar de um arranha-céu no centro do Rio, a uma quadra do consulado americano. Às vezes, mandava os funcionários para casa para poder trabalhar sozinho.
“Era um viciado em trabalho”, disse Felipe Martínez, um ex-cliente que se tornou amigo do russo, a quem conhecia como Daniel. “Ele pensava grande, sabe?”
A empresa tornou-se um sucesso, segundo um ex-funcionário, e conseguiu clientes como a TV Globo, e o exército brasileiro. (O funcionário, que pediu anonimato, disse que Shmyrev nunca foi convidado a nenhuma base).
Mas havia peculiaridades, segundo amigos e colegas. Ele nunca mantinha o computador conectado à internet quando não estava em uso. E parecia ter mais dinheiro do que seu negócio poderia justificar.
Ele fazia viagens repentinas à Europa e Ásia, e brincava sobre realizar “espionagem industrial” contra a concorrência. Às vezes, se passava por cliente de outras gráficas e, em uma ocasião, enviou um de seus funcionários para estagiar em uma empresa rival e relatar informações.
Também parecia ter pavor de câmeras e detestava tanto ser fotografado que um ex-funcionário se lembrava de ele brincar que poderia estar “procurado pela Polícia Federal”.
Martínez lembrou que Shmyrev entrou em pânico quando um jornal local publicou uma foto dele ao lado do prefeito do Rio na inauguração de um centro tecnológico.
Mas, retrospectivamente, tudo isso só pareceu significativo, disseram seus amigos.
Em particular, Shmyrev se sentia entediado e frustrado com sua vida secreta.
“Não consegui nada no trabalho”, escreveu Shmyrev em uma mensagem de texto para sua esposa. “Estou há dois anos sem estar onde deveria estar.”
Sua esposa, Irina Shmyreva, outra espiã russa que enviava mensagens da Grécia, a meio mundo de distância, mostrou pouca simpatia. “Se você queria uma vida familiar normal, fez uma escolha fundamentalmente errada”, respondeu.
Mas ela reconheceu que a vida que levavam não era a que esperavam.
“Sim, não é o que prometeram e é ruim”, escreveu ela. “Basicamente, eles enganam as pessoas e eu acho isso errado. É desonesto e não construtivo.”
As mensagens fazem parte de um conjunto de documentos compartilhados com serviços de inteligência estrangeiros e vistos pelo The New York Times. Elas foram enviadas em agosto de 2021 e recuperadas posteriormente do telefone de Shmyrev.
Seis meses depois, a Rússia invadiu a Ucrânia. De repente, os serviços de inteligência de todo o mundo começaram a trabalhar juntos e priorizaram a interrupção da espionagem do Kremlin. As vidas dos espiões russos espalhados pelo mundo foram abaladas.
Primeiro foi Cherkasov, o estagiário detido semanas após a invasão. Depois, Mikhail Mikushin, que estava sob investigação brasileira, apareceu na Noruega e foi preso. Dois agentes russos disfarçados foram detidos na Eslovênia, onde viviam sob identidades argentinas falsas.
No final de 2022, os investigadores brasileiros estavam fechando o cerco sobre Shmyrev.
Os agentes federais haviam desvendado a identidade de Gerhard Daniel Campos Wittich e descobriram que sua mãe havia falecido e nunca teve um filho com esse nome. Não conseguiram encontrar o pai.
No final de dezembro, os agentes estavam quase certos de terem identificado um espião russo disfarçado.
Se Shmyrev estava assustado, não deu nenhum sinal disso. Em uma noite de dezembro, ele jantou com um colega no moderno bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Parecia relaxado e disse que estava partindo para uma viagem de um mês à Malásia, segundo o funcionário, que falou sob anonimato.
Ele escapou do país poucos dias antes de a Polícia Federal desvendar sua identidade. Os agentes ficaram atônitos. Tanto trabalho, e eles o haviam perdido.
Shmyrev tinha uma passagem de volta marcada para 2 de fevereiro de 2023. Então, os agentes obtiveram mandados de prisão e de busca em seus endereços. Quando Shmyrev pousasse em solo brasileiro, eles estariam prontos.
Mas ele nunca voltou.
O que é pior do que ser preso?
Shmyrev não foi o único espião russo que escapou dos brasileiros.
Cada vez que os agentes descobriam um nome, parecia que haviam chegado tarde demais.
Um casal na casa dos 30 anos, que vivia como Manuel Francisco Steinbruck Pereira e Adriana Carolina Costa Silva Pereira, havia fugido para Portugal em 2018 e desaparecido.
Um grupo parecia estar no Uruguai. Uma mulher chamada supostamente María Luisa Domínguez Cardozo tinha uma certidão de nascimento brasileira e posteriormente obteve um passaporte uruguaio. E havia outro casal: Federico Luiz González Rodríguez e sua esposa, María Isabel Moresco García, uma espiã loira que se passava por modelo.
A melhor esperança dos agentes brasileiros para uma prisão, por um tempo, parecia ser um joalheiro chamado Eric Lopes. A polícia descobriu que ele era, na verdade, um espião russo chamado Aleksandr Utekhin.
Seu negócio apareceu em um programa de TV brasileiro de 2021 chamado “Empresários de Sucesso”, que o descreveu como “especialista em pedras preciosas”.
Mas o apresentador disse em uma entrevista ao The Times que Lopes havia pago por aquele anúncio na TV. Lopes, disse ele, era estranho. Falava um “português gringo”, observou, e se recusava a aparecer na câmera. Um funcionário que apareceu em seu lugar sabia tão pouco sobre o negócio que não parava de gaguejar.
“Pensei: ‘Nossa, está acontecendo alguma coisa’”, acrescentou o apresentador.
Quando os agentes federais chegaram às lojas, não encontraram nenhum vestígio do senhor Lopes ou do ouro e pedras preciosas que ele anunciava no Instagram.
Sua loja em Brasília agora é ocupada por uma companhia de seguros. O endereço em São Paulo, em frente a uma unidade da polícia militar do Brasil, abriga uma empresa imobiliária.
Os investigadores acreditam que seu negócio existia apenas como fachada para reforçar suas credenciais brasileiras. Um funcionário de segurança ocidental com conhecimento do caso disse que, após deixar o Brasil, Utekhin passou algum tempo no Oriente Médio. Seu paradeiro exato é desconhecido, embora os serviços de inteligência acreditem que ele e outros retornaram à Rússia.
Não está claro se algum evento assustou os agentes e os fez voltar para casa. Mas, com tanta atenção voltada para a Rússia após a invasão da Ucrânia, especialistas em inteligência disseram que talvez os chefes em Moscou tenham concluído que o mundo se tornou perigoso demais para eles.
Os agentes brasileiros que conduziam a Operação Leste passaram incontáveis horas descobrindo os nomes e ainda assim não tinham nenhum caso, exceto a acusação de falsificação de documentos contra Cherkasov.
Mas eles compartilharam o que descobriram com agências de inteligência de todo o mundo, cujos agentes cruzaram essas informações com registros de agentes de inteligência russos conhecidos. E encontraram correspondências, que, em alguns casos, permitiram aos brasileiros associar um nome real às identidades brasileiras falsas.
O casal que vivia em Portugal sob o nome de Pereira, por exemplo, revelou-se ser, na verdade, Vladimir Aleksandrovich Danilov e Yekaterina Leonidovna Danilova, segundo dois funcionários de inteligência ocidentais.
O Brasil manteve por muito tempo a neutralidade em relação às divisões geopolíticas. Mesmo após a invasão russa da Ucrânia, o Brasil manteve uma relação amistosa com Moscou. Assim, o uso do território brasileiro pelo Kremlin para uma operação de espionagem em grande escala foi visto como uma traição. As autoridades queriam enviar uma mensagem.
“Juntamos nossas cabeças e pensamos: ‘O que é pior do que ser preso como espião?’”, disse o investigador brasileiro de alto escalão. “É ser desmascarado como espião.”
Para isso, os investigadores tiveram uma ideia ousada. Eles poderiam usar a Interpol, a maior organização policial do mundo, para expor os espiões de Putin.
Era uma vingança irônica. Durante anos, Putin manipulou os bancos de dados da Interpol para perseguir dissidentes e opositores políticos.
No último outono, os brasileiros emitiram uma série de alertas azuis da Interpol — notificações que buscam informações sobre uma pessoa. Os alertas divulgaram os nomes, fotos e impressões digitais dos espiões russos, incluindo Shmyrev e Cherkasov, para os 196 países membros.
A Interpol, como organismo independente, não lida com questões politizadas como espionagem. Para contornar isso, as autoridades brasileiras disseram que os russos estavam sendo investigados por usar documentos fraudulentos.
O Uruguai emitiu alertas semelhantes, vistos pelo The Times, para os suspeitos de serem espiões russos que apareceram lá com identidades brasileiras. Segundo os serviços de inteligência, seus nomes verdadeiros eram Roman Olegovich Koval, Irina Alekseyevna Antonova e Olga Igorevna Tyutereva.
Koval e Antonova, o casal, haviam deixado o Brasil repentinamente em um voo com destino ao Uruguai em 2023, disseram os investigadores. O último paradeiro conhecido de Tyutereva era a Namíbia, segundo o alto funcionário.
Os alertas da Interpol não incluem os nomes verdadeiros, mas contêm fotos e outros dados identificativos. Com suas identidades registradas em bancos de dados policiais e seus nomes verdadeiros apontados pelos serviços de espionagem, é provável que os agentes não possam mais trabalhar como espiões no exterior.
De todos os espiões, apenas Cherkasov permanece na prisão. Ele foi condenado por falsificação de documentos e sentenciado a 15 anos, mas sua pena foi reduzida para cinco anos.
Em uma aparente tática para levá-lo para casa rapidamente, o governo russo alegou que ele era um traficante de drogas procurado e apresentou documentos judiciais solicitando sua extradição.
Mas os brasileiros se opuseram rapidamente. Se Cherkasov era um traficante de drogas, argumentaram os promotores, era essencial que ele permanecesse na prisão por ainda mais tempo para que a polícia pudesse investigar.
Caso contrário, ele já teria sido libertado. Mas ele continua preso em Brasília.
Vão ouvir coisas sobre mim
Por um tempo após deixar o Brasil, Shmyrev se comunicava regularmente com amigos e com sua namorada brasileira. Mas, no início de janeiro de 2023, suas mensagens de texto pararam.
“Passaram semanas e não sabíamos o que fazer”, conta Martínez, seu amigo.
A namorada de Shmyrev publicou uma mensagem em um grupo do Facebook chamado “Brasileiros em Kuala Lumpur” pedindo ajuda para encontrá-lo.
“Começamos a brincar de detetives”, disse Martínez. “Entramos na internet.
Ligamos para delegacias, embaixadas, hotéis em Kuala Lumpur, tentando encontrá-lo. E não conseguimos.”
Quando Shmyrev não pegou o voo de volta ao Brasil, a polícia entrou em ação. Os agentes descobriram que ele havia deixado vários dispositivos eletrônicos que continham dados pessoais cruciais, incluindo as mensagens de texto com sua esposa, uma espiã russa. Ele também deixou 12 mil dólares em dinheiro em seu cofre.
São indícios de que ele planejava voltar. Como no caso dos outros, a questão do que o levou a partir e o que o manteve afastado permanece um mistério. Naquela época, sua esposa russa abandonou repentinamente seu posto de espionagem na Grécia.
Mais tarde, as autoridades gregas a denunciaram.
Apesar de tudo, seus amigos dizem sentir sua falta.
“Às vezes, penso que um dia vou estar lá, em São Petersburgo”, disse Martínez. “Vou estar no balcão. Vou pedir um vodca. E então, ele estará do outro lado.”
Em sua fantasia, Martínez acena para Shmyrev, e ele acena de volta.
O último contato conhecido de Shmyrev com o Brasil foi uma ligação telefônica para sua namorada após sua partida. Segundo ela contou a Martínez, sua amiga estava triste, talvez chorando.
“Vão ouvir coisas sobre mim, mas você precisa saber que eu nunca fiz nada tão ruim. Nunca matei ninguém nem nada assim”, disse ele, segundo a lembrança de Martínez.
“Meu passado me alcançou”, disse.
c.2025 The New York Times
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