Entre nos nossos canais do Telegram e WhatsApp para notícias em primeira mão. Telegram: [link do Telegram]
WhatsApp: [link do WhatsApp]
O caso de uma bebê recém-nascida encontrada enterrada viva perto do rio Bahgul, em Shahjahanpur, Uttar Pradesh, provocou choque na Índia e reacendeu o debate sobre discriminação de gênero e infanticídio feminino no país.
A menina, resgatada com vida por um vizinho da região, recebeu cuidados médicos intensivos, mas morreu dias depois devido a infecções e complicações decorrentes do estado crítico em que se encontrava.
O incidente ocorreu em 14 de setembro, quando um homem identificado como Dubloo, segundo o The Times of India, percebeu uma mãozinha saindo da terra, coberta de sangue e cercada por formigas. Ao se aproximar, constatou que a menina ainda respirava, embora estivesse praticamente imóvel.
Alarmado, ele chamou vizinhos e a polícia, que rapidamente desenterrou a bebê, que apresentava sinais de hipotermia, ferimentos possivelmente causados por animais e infecções, conforme explicou o pediatra Dr. Rajesh Kumar, do Shahjahanpur Medical College, à BBC.
A recém-nascida, estimada entre 15 e 20 dias de vida, foi levada de urgência ao hospital local, onde foi batizada pelos médicos como “Pari”, que significa “anjo” em hindi.
Nos primeiros dias após o resgate, a equipe médica manteve a esperança de recuperação. “Milagres acontecem”, afirmou o Dr. Kumar à CNN, descrevendo os esforços do pessoal de saúde, que cuidou da bebê como se fosse parte da própria família. No entanto, a gravidade das lesões e a infecção generalizada dificultaram sua evolução.
Segundo o The Times of India, Pari faleceu em 21 de setembro, após uma semana na unidade de terapia intensiva neonatal. “O prognóstico é grave, mas estamos fazendo tudo para salvá-la”, havia declarado o Dr. Kumar à BBC antes do desfecho fatal.
A polícia, liderada pelo oficial Gourav Tyagi, investiga os responsáveis pelo abandono e busca entender a motivação do crime. Entre as hipóteses estão o suposto erro dos pais, que teriam acreditado que a bebê havia morrido, ou a relação com a condição médica da criança, que apresentava sindactilia, malformação nos dedos.
No entanto, a suspeita mais forte é que o caso esteja ligado à discriminação de gênero, prática arraigada na região, onde a preferência por filhos homens ainda leva ao abandono e assassinato de meninas. Até o momento, não houve identificação dos pais nem prisões, e as autoridades continuam analisando imagens de câmeras de segurança.
O contexto social evidencia um problema estrutural. Em Shahjahanpur, há apenas 872 mulheres para cada 1.000 homens, segundo o último censo citado pela CNN, uma diferença maior que a média nacional.
A tradição patriarcal favorece os filhos homens, que herdam propriedades e perpetuam o sobrenome, enquanto meninas são vistas como um ônus econômico, especialmente devido à prática da dote. “Esta tradição leva gerações e deve ser cumprida. Torna-se um peso com o tempo”, explicou o comerciante Achal Kumar Gautam à CNN.
A pressão social leva a práticas como aborto seletivo e infanticídio feminino, apesar de a lei proibir, desde 1994, a determinação do sexo do feto. “Se descobrem que é menino, não há problema. Se é menina, abortam”, relatou a vizinha Sapna Singh à CNN.
O caso de Pari gerou comoção entre médicos e moradores. “Nunca vi uma criança em situação assim, abandonada e sozinha”, disse o Dr. Kumar. A enfermeira responsável pela unidade neonatal, Sarita Singh, relatou o sofrimento da equipe: “Não tínhamos palavras quando ela faleceu. Foi muito duro desconectar os monitores e deixá-la ir. Éramos sua família”.
Ativistas locais, como Kamaljeet Kaur, ressaltam que a discriminação de gênero e o infanticídio feminino são problemas sistêmicos. “Acontece de forma rampante aqui”, afirmou à CNN, destacando que famílias com várias filhas sofrem abusos e marginalização.
O caso de Pari não é isolado. Outras ocorrências recentes de abandono e assassinato de meninas foram registradas em Uttar Pradesh e em outras regiões da Índia. Um relatório da ONU, citado pela CNN, indicou que, em 2020, o país tinha 45,8 milhões de “mulheres desaparecidas”, resultado de abortos seletivos e mortes por infanticídio.
O governo indiano implementou campanhas como “Beti Bachao, Beti Padhao” (“Salve a menina, eduque a menina”) para combater a desigualdade de gênero e melhorar a situação das meninas, com alguns avanços na proporção de gênero e na escolarização feminina. No entanto, parte dos recursos se concentra em campanhas de mídia, com impacto limitado na prática, segundo especialistas e profissionais da saúde.
Enquanto a investigação policial prossegue, a história de Pari deixa uma marca de dor e reflexão na comunidade. Shyam Babu, o homem que a resgatou, lamentou: apesar de tê-la tirado da terra, a pequena finalmente retornou a ela, encerrando um ciclo marcado por injustiça e esperança frustrada.