O psicólogo Renan de Morais Souza, 37 anos, apoiador do presidente Jair Bolsonaro, viu a sua vida virar do avesso no dia 17 de junho de 2020. Ele foi preso junto com a ativista Sara Winter, por ordem do Ministro Alexandre de Moraes, durante um período de grande tensão entre o Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião das prisões, Sara Winter liderava o acampamento “300 do Brasil”, em Brasília.
Morais conta que foi preso sem nunca ter sido indiciado. Em suas redes sociais, ele explicou que sequer chegou a se tornar réu. Após ser liberado para prisão domiciliar, ele passou a ser monitorado 24 horas por dia através de uma tornozeleira eletrônica.
Já em liberdade, o psicólogo concede entrevista exclusiva ao Jornal Gazeta Brasil para contar a sua experiência durante o período de reclusão.
Fernanda Salles – Você foi preso em 2020 acusado de qual crime?
Oficialmente não fui acusado de crime algum. Não fui indiciado, não me tornei réu, não tive julgamento justo e também não tive direito real de defesa. Na narrativa do Inquérito 4828 dos Atos Antidemocráticos e nas manchetes de jornal eu fui acusado de ser “extremista” e ter “atacado instituições”, em especial o STF. O evento da minha prisão é um caso a parte: fui preso por um delegado que era subsecretário de Segurança Pública do DF, chefe do Sistema Penitenciário do DF (SESIPE) e conduzido por ele e pela Polícia Penal do DF a uma delegacia, onde assinaria um Termo Circunstanciado de Ocorrência por perturbação do trabalho ou do sossego alheio, por estar fazendo manifestação próximo à Penitenciária Feminina do DF (Colméia), na ocasião da transferência da Sara Winter da Superintendência da PF para o local. Depois de cerca de uma hora de espera em uma delegacia da Polícia Civil no Gama, quando estava prestes a ser liberado, surgiu um mandado de prisão expedido pelo Alexandre de Moraes para mim.
Fernanda Salles – Por quanto tempo você permaneceu preso?
Foram 8 dias na cadeia da Superintendência da Polícia Federal em Brasília e 372 dias (1 ano e 7 dias) em prisão domiciliar, totalizando 380 dias de prisão, que meus advogados consideram ilegal.
Fernanda Salles – Você se considera um perseguido político?
Não me considero pessoalmente um perseguido político. No meu entendimento eu fui preso aleatoriamente em uma ação de perseguição política que visava desarticular os movimentos de apoio ao Jair Bolsonaro e atingir a imagem e o ânimo do Presidente da República, ou seja, minha prisão tem importância secundária na perseguição política que o Presidente sofre.
Fernanda Salles – Você espera que alguma autoridade se levante contra as arbitrariedades cometidas pelo Supremo?
Eu já não esperava muito, mas esperava um pouco mais dos parlamentares, sobretudo os deputados federais, não só da base governista – mas principalmente eles – pois esses têm uma liberdade de ação que possibilitaria uma articulação para exigir a garantia da legalidade dos inquéritos e o direito de defesa. Não são todos, mas muitos são omissos ou inaptos, enquanto os poucos que sobram ficam sobrecarregados. Esperava também que o Ministério Público fosse firme na exigência de legalidade dos atos antidemocráticos do STF. Não são apenas nos casos de prisão que vemos a omissão e a falta de capacidade deles. Colocam tudo na responsabilidade do PR Bolsonaro. Me lembro da reunião ministerial do PR Bolsonaro que um ministro do STF vazou, onde nosso presidente cobrava ações mais incisivas dos ministros e penso que aquelas falas do Bolsonaro foram muito assertivas e servem também para os políticos da base do governo. Precisamos eleger melhores parlamentares e governadores em 2022.
Fernanda Salles – Você foi ameaçado ou sofreu algum tipo de pressão durante o período em que ficou preso?
Algumas poucas ameaças pontuais e isoladas, anônimas ou não, de pessoas que se denominaram como Antifas. A maior ameaça que eu percebia era mesmo das ações abusivas de ministros do STF e da obediência culposa (ou dolosa) das autoridades policiais.
Fernanda Salles – Você conseguiu voltar a trabalhar na sua área?
Nos primeiros dois meses de prisão eu consegui atender meus clientes apenas em casos emergenciais, mas logo que aluguei um apartamento e fui morar sozinho eu voltei a atender normalmente. Hoje em dia eu tenho mais clientes e me considero um psicólogo melhor do que antes da prisão.
Considerações finais
Ressalto com ênfase que não houve qualquer crime cometido por nós e muito menos ataques contra a democracia. Todas as conversas que tive conhecimento que envolveram agentes do poder público aconteceram de forma republicana, moral e legal. Houveram, por exemplo, várias reuniões entre manifestantes e a secretaria de segurança pública do DF, muito amigáveis, inclusive, onde nos orientaram em vários aspectos sobre como proceder. Nada de ilegal, nenhum crime, nenhuma conspiração antidemocrática ou qualquer coisa do tipo. Quando eu vejo manifestantes de direita sendo acusados disso, tenho a nítida impressão de que eles estão apenas projetando em nós as próprias aspirações antidemocráticas.
Devido à minha circunstância (solteiro, sem filhos, profissional liberal, homem com senso de dever e patriota) era meu DEVER me manifestar em apoio ao Presidente Bolsonaro, em defesa da liberdade e da democracia, me manifestar contra os abusos autoritários dos ministros do STF e contra as inacreditáveis perversidades que acontecem dentro do Congresso Nacional.
É preciso ter coragem para cumprir o dever, quando isso coloca a própria vida, liberdade e reputação em risco. É preciso ter disposição para arcar com as responsabilidades dos próprios atos. Eu acuso a malícia daqueles que abusaram da autoridade contra mim, é realmente inaceitável e condenável. Mas não responsabilizo ninguém pelos atos que eu mesmo fiz, porque, mesmo não tendo cometido nenhum crime e nenhum ato imoral, eu sabia que minhas ações políticas (no sentido aristotélico e no sentido popular do termo) poderiam ter consequências duras. Eu decidi, eu agi, é justo também que eu suportasse as consequências da minha ação.