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Islamoesquerdismo: a nova polêmica do governo Macron que escandaliza a universidade francesa

RFI – A França se vê mergulhada há dias em uma nova controvérsia ideológica que alguns já batizaram de nova “guerra cultural” francesa. Recentemente, a ministra do Ensino Superior, Frédérique Vidal, anunciou uma investigação para identificar a suposta infiltração do “islamoesquerdismo” nas universidades do país. A iniciativa provocou uma forte reação de diretores de universidades, pesquisadores e intelectuais. 

Em recente entrevista ao canal de TV CNews, Frédérique Vidal disse que o “islamoesquerdismo gangrenava toda a sociedade francesa” e, por essa razão, as universidades não seriam impermeáveis a essa influência. “O que observamos nas universidades é que, de fato, existe gente que aproveita a aura de seu título, ou a aura que possuem, para defender ideias radicais ou militantes”. Ela pediu ao presidente do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) um levantamento para distinguir entre “pesquisa científica” e “estudo militante”. 

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Na França, o conceito de “islamoesquerdismo” foi cunhado pelo cientista político, filósofo e escritor Pierre-André Taguieff, autor do livro “La Nouvelle Judéophobie (“A Nova Judeofobia”, em tradução livre). Taguieff descreveu a ligação entre alguns grupos franceses de extrema esquerda e membros da comunidade muçulmana do país a teses radicais, a partir dos protestos pró-palestinos que ocorreram em Paris no início dos anos 2000, quando “neoesquerdistas (trotskistas, anarquistas e ativistas profissionais antiglobalização) manifestaram apoio a extremistas do Hezbollah ou do Hamas, partidários da eliminação de Israel”.

Esta aliança de circunstâncias entre um inimigo comum, o imperialismo, se refletiria hoje em diferentes áreas do debate de ideias na França. “A moda decolonial e pseudo-antirracista substituiu a moda marxista e pseudo-antifascista”, explicou Taguieff recentemente.

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Além disso, o “islamoesquerdismo” seria para o governo francês um movimento importado das universidades americanas, onde os estudos de gênero e pós-coloniais, em nome do antirracismo, questionam a tradição universalista e laica francesa, vista como um sistema eurocêntrico que perpetua um “privilégio branco”.

Sob essa ótica, fenômenos como o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) ou Me Too foram transportados para o contexto social francês, bem como manifestações da “cultura do cancelamento” de artistas e obras acusadas de racismo ou sexismo na França. Em vários protestos, foram observadas reverberações locais do movimento de esquerda norte-americano. As recentes manifestações contra o racismo na polícia francesa também teriam, na avaliação de conservadores, sido importadas do conflito racial nos Estados Unidos, como se não houvesse um forte contexto interno de discriminações contra árabes muçulmanos, africanos e outras minorias étnicas capaz de gerar indignação.

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Atualmente, o “islamoesquerdismo” também é empregado de uma maneira aproximativa para questionar a condescendência de ativistas e políticos de extrema esquerda franceses, principalmente marxistas, em não denunciar o islamismo radical que prosperou nos bairros pobres de periferia, onde moram os descendentes de imigrantes privados há décadas de políticas públicas inclusivas.

Discriminação e islamofobia

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As declarações da ministra provocaram forte reação no meio universitário. Para o cientista político Olivier Roy, do Instituto Universitário Europeu de Florença, o termo “islamoesquerdismo” é “puramente polêmico”, não tem fundamento científico e foi criado para gerar “confusão entre Islã e muçulmano”. “Essa palavra serve para discriminar pessoas de quem não gostamos”, afirma. “O paradoxo dos que chamamos assim é que não têm nada a ver com o Islã, são marxistas!”, afirmou Roy em entrevista à rádio France Inter. 

O especialista reconhece a existência de “uma nova geração de pesquisadores fascinados por esses temas” de raça ou gênero. “Eles escolhem disciplinas que acham relevantes. Existe um modismo, principalmente porque estão disputando vagas. Mas quantos desses jovens vão virar professores? Um número muito pequeno, não afeta a universidade em nada”, acredita. Para o cientista político, “o problema é essa palavra ‘Islã’”. “A maioria das pessoas que faz pesquisa nessa área pós-colonial afirma não ter religião”, garante Roy.

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O historiador Pascal Blanchard, um dos maiores especialistas franceses em estudos decoloniais, estima que o interesse pelas “questões coloniais ou de gênero surgiram [na universidade francesa] porque não estavam muito presentes anteriormente”. No entanto, “pouquíssimos pesquisadores estão realmente trabalhando com esses temas, menos de 1%”, avalia Blanchard.

De acordo com o historiador, o conceito do “islamoesquerdismo” foi formulado pela primeira vez por trotskistas britânicos no início dos anos 2000. “Grupos minoritários dessa tendência imaginaram que os descendentes de imigrantes, vítimas de exclusão social, poderiam servir como uma espécie de novo proletariado para a extrema esquerda, mas isso nunca ganhou peso político”, recorda. 

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Reitor da Sorbonne critica discurso ideológico do governo

O reitor da Sorbonne, Jean Chambaz, diz ter ficado “boquiaberto” com a investigação anunciada pela ministra do Ensino Superior. Ele nega categoricamente a existência desse fenômeno de radicalidade no meio acadêmico e critica a controvérsia criada pelo governo. 

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“Não existe assunto tabu ou tema proibido na universidade. Nós temos o direito de estudar temas complexos e revisitar a história do país, o colonialismo, a não integração dos filhos de imigrantes de terceira geração, que continuam não sendo tratados como franceses e são chamados de árabes”, rebate. “Não existe mistura entre a teoria e a opinião política dos pesquisadores, que constitucionalmente têm o direito de ter posições políticas e ideológicas, assim como faz o governo”, ressalta Chambaz. 

Mais de 600 pesquisadores publicaram uma carta aberta no jornal Le Monde no último sábado (20) pedindo a demissão da ministra Frédérique Vidal. Outros denunciaram uma manobra política do governo, para seduzir setores ultraconservadores para o campo macronista a 14 meses da eleição presidencial de 2022. As pesquisas antecipam um novo duelo entre Emmanuel Macron e a líder de extrema direita Marine Le Pen no segundo turno.

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“Existe uma orientação neste governo para dragar setores da opinião pública em lugares que dão náuseas”, denunciou o reitor da Sorbonne em entrevista à rádio France Info. Na avaliação de Chambaz, Vidal é usada como um “bode expiatório” e não adiantaria nada demiti-la. “Toda essa sequência é bastante preocupante, o governo deveria se concentrar em administrar a crise [do coronavírus] ao invés de se preparar para o eleição presidencial”, reagiu o reitor da Sorbonne.

“Indigno” associar o meio universitário ao islamismo radical

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Chambaz lembra que desde o assassinato do professor Samuel Paty, em outubro do ano passado, decapitado por um refugiado extremista de origem chechena, o governo francês passou a semear “confusão” sobre as atividades do setor acadêmico. “Foi escandaloso, indigno da parte do ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, acusar, na época, movimentos universitários de responsabilidade no assassinato de Paty”, salientou Chambaz. 

Essa polêmica ocorre poucos dias depois de os deputados franceses aprovarem a nova legislação desejada pelo presidente Macron para combater o islamismo radical no país. 

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Em entrevista ao jornal Libération, o economista Thomas Piketty disse não conhecer “nenhum pesquisador que, nem de perto nem de longe, possa ser suspeito de alguma complacência com os jihadistas”. “Essa lógica de suspeita generalizada só pode levar à polarização e ao diálogo de surdos”, afirmou Piketty.

O reitor da Sorbonne insiste na instrumentalização política do debate. “Colamos duas palavras que assustam para não definir uma realidade. O que assola a sociedade? É a discriminação, a guetização, a desigualdade social no acesso ao trabalho, no acesso à educação, à cultura e ao fracasso das políticas públicas nessa área há 50 anos.”

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O porta-voz do governo, Gabriel Attal, se distanciou da iniciativa da ministra do Ensino Superior e afirmou que o presidente Macron sente “um apego absoluto à independência dos professores-pesquisadores”. Já o campo conservador, que utiliza o neologismo islamoesquerdismo com frequência, aprovou o posicionamento de Vidal. 

A esquerda francesa tem lá suas divisões. Uma ala majoritária, que poderia se chamar de universalista, apegada à laicidade e aos princípios de autonomia e respeito aos direitos humanos, quer continuar lutando pelo combate às discriminações, à pobreza e à exclusão social com base nos valores republicanos. Historicamente, a França nunca admitiu a categorização de seus cidadãos pelo pertencimento a uma raça, origem étnica ou confissão religiosa. Nesse sentido, as novas teorias de gênero e raça representam uma novidade na paisagem. Por outro lado, uma ala minoritária e mais radical da esquerda considera que essas questões, assim como problemáticas identitárias, devem ser incorporadas na defesa dos marginalizados. Esses ativistas são hoje chamados a elucidar uma certa complacência com o radicalismo islâmico.

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Na opinião do sociólogo brasileiro Ruy Braga, organizador do livro “Para além do pós(-)colonial” ao lado do cientista político francês Michel Cahen, do instituto SciencesPo de Bordeaux, essa nova polêmica reflete o contexto de islamofobia que vem aumentando na França, desde a crise migratória de 2015 e dos atentados contra a revista satírica Charlie Hebdo. “A gente não pode esquecer que a islamofobia é uma forma de racismo”, destaca o sociólogo brasileiro. “Os franceses não se veem como racistas, têm enorme dificuldade de reconhecer o imperialismo deles, mesmo tendo matado um milhão de argelinos. Então, existe aí um problema mais geral”, observa Braga. 

Segundo o brasileiro, os estudos interseccionais e pós-coloniais não são hegemônicos na universidade francesa, que evolui num contexto totalmente diferente dos enormes centros de pesquisa existentes nessa área nos Estados Unidos. “Eu conheço a universidade francesa e asseguro que o ambiente de trabalho é totalmente refratário a qualquer forma de militância radical. Não sei de onde veio essa ideia, só pode ser um flerte do governo de centro-direita com a extrema direita”, conclui Braga.

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