“Sonhos são mensagens do profundo.” (Duna Parte 1)
Reflexões sobre sonhos são abundantes na sociedade, desde filmes até programas de TV e livros. Mas apesar de serem uma fonte constante de fascinação, o papel dos sonhos em nossas vidas ainda permanece elusivo.
Como recentemente observado no programa de TV Grey’s Anatomy, “Sinceramente, ninguém sabe por que sonhamos ou por que temos pesadelos.” Embora verdadeiro, neurocientistas estão encontrando novas e inovadoras formas de estudar os sonhos e como eles influenciam nossa cognição.
“Entender como os sonhos são gerados e qual pode ser sua função – se houver alguma – é uma das maiores questões em aberto da ciência no momento,” diz Remington Mallett da Universidade de Montreal, que está presidindo uma sessão hoje na reunião anual da Sociedade de Neurociência Cognitiva (CNS) em Toronto.
“Porque não sabemos muito sobre os sonhos, é difícil estimar seu impacto total em nossas vidas enquanto acordados. Mas resultados atuais sugerem que os sonhos de fato influenciam nossas experiências enquanto estamos acordados.”
Como apresentado na CNS 2024, pesquisadores estão encontrando não apenas abordagens inovadoras para explorar os sonhos e a arquitetura do sono, mas também maneiras de manipular os sonhos para ajudar pessoas que sofrem de distúrbios do sono. No processo, os cientistas estão observando como as percepções dos sonhos e a qualidade do sono muitas vezes diferem significativamente das medidas objetivas tradicionalmente usadas para avaliá-los.
Percepções versus realidade
Claudia Picard-Deland propõe que os sonhos são uma janela para entender a qualidade do sono. Ela e seus colegas da Universidade de Montreal projetam estudos que despertam os dorminhocos várias vezes durante a noite para determinar como os participantes percebem seu sono.
“Os sonhos não são muito estudados no contexto da qualidade do sono. O foco é mais frequentemente em medidas objetivas como atividade cerebral ou estágio do sono, mas eu acredito que precisamos examinar mais de perto a atividade dos sonhos e seu impacto em como percebemos o sono.” Para pessoas que sofrem de insônia e distúrbios relacionados, a percepção do sono é a realidade, e seus sonhos poderiam oferecer possíveis maneiras de ajudar a moldar essas percepções.
Em seu estudo mais recente e não publicado, Picard-Deland e colegas acordaram 20 “bons dorminhocos” cerca de 12 vezes durante a noite, representando todos os quatro estágios clássicos do sono em três momentos diferentes da noite. Em cada despertar, os pesquisadores perguntavam se eles estavam acordados ou dormindo, o quão profundamente estavam dormindo, o que estavam pensando por último e quão imersos eles se sentiam em seus sonhos.
Eles descobriram que a percepção equivocada do sono – sentir-se acordado mesmo quando os eletrodos indicavam que estavam dormindo – era comum entre os participantes, especialmente nos estágios iniciais e sem sonhos do sono. Da mesma forma, descobriram que quando os participantes conseguiam lembrar de seus sonhos, percebiam seu sono como mais profundo.
“E quando estão mais imersos em seus sonhos, se sentem mais presentes fisicamente ou têm sonhos mais vívidos, acordam sentindo que seu sono foi mais profundo em comparação com quando têm pouca ou nenhuma atividade de sonho,” diz Picard-Deland.
Os pesquisadores ficaram surpresos ao ver com que frequência os participantes pensavam que estavam acordados quando na verdade estavam dormindo (“insônia paradoxal”) e na fase mais profunda e lenta do sono. Este trabalho se baseia em descobertas anteriores similares e tem importantes implicações para como os cientistas entendem a arquitetura do sono, assim como para pessoas que relatam insônia.
Como alguém que experimentou insônia durante toda a sua vida, Picard-Deland acredita ser crucial que as pessoas percebam que podem estar dormindo mais do que pensam. “Me ajudou a ver com meus próprios olhos, acontecendo na minha frente, que os participantes estavam dormindo mas ainda se sentiam acordados.”
Além desse entendimento, este trabalho poderia ter aplicações futuras para a reabilitação do sono com base nos sonhos. Por exemplo, Picard-Deland adoraria explorar se o treinamento de sonhos, como ensinar as pessoas a terem sonhos lúcidos mais imersivos, poderia levar a uma melhor qualidade percebida do sono.
Sonhos lúcidos como ferramenta
Sonhos lúcidos são uma parte importante do trabalho de Saba Al-Youssef, cuja equipe na Université Sorbonne aproveita a capacidade de sonhadores lúcidos de usar músculos faciais durante o sono como uma nova ferramenta para coletar dados. “Os sonhos são um mundo oculto ao qual não temos acesso direto”, diz ela.
“Nós geralmente dependemos de relatos de sonhos, não importa qual método de estudo usemos. A capacidade dos sonhadores lúcidos de se comunicarem conosco em tempo real nos dá acesso aos sonhos por uma porta lateral, pelo menos sabendo quando um evento específico está acontecendo.”
Em um novo estudo com pesquisadores da Universidade Northwestern publicado na Current Biology, Al-Youssef e colegas visam entender melhor como o cérebro age durante os sonhos em comparação com seu comportamento quando acordado.
Quando as pessoas estão acordadas e fecham os olhos, o conteúdo visual desaparece e sinais elétricos específicos ocorrem. Os pesquisadores, portanto, se perguntaram o que acontece no cérebro quando alguém fecha os olhos em um sonho. Eles esperam entender melhor os correlatos neurais da percepção visual durante os sonhos.
Os pesquisadores recrutaram participantes que incluíam sonhadores lúcidos com narcolepsia. Ao longo de cinco sonecas, os pesquisadores instruíram os participantes a fecharem e abrirem seus “olhos de sonho” e sinalizarem isso cheirando uma ou duas vezes. Eles então pediram aos participantes com narcolepsia que relatassem se tinham conteúdo visual em cada condição franzindo a testa ou sorrindo.
“Surpreendentemente, descobrimos que fechar nossos ‘olhos de sonho’ nem sempre é acompanhado por uma perda de visão, como acontece quando estamos acordados”, diz Al-Youssef. “Espero que este trabalho ajude a mostrar como usar sonhos lúcidos pode ser útil no estudo dos sonhos e até mesmo na compreensão de sua função.”
Mallett está animado para ver trabalhos como este desenvolverem novas metodologias para o estudo dos sonhos. “Acho que a maioria dos cientistas é cética em relação à possibilidade de estudar os sonhos, então antes de contar a eles sobre o que encontramos, preciso convencê-los de que podemos encontrar algo,” diz Mallett, “que temos os métodos e ferramentas para fazer descobertas sobre os sonhos.”
O trabalho tanto de Picard-Deland quanto de Al-Youssef abre novas vias de pesquisa na manipulação dos sonhos por meio de novas tecnologias e com benefícios clínicos imediatos. “Você precisa manipular os sonhos para uma boa experimentação, e você precisa manipular os sonhos para reduzir os pesadelos”, diz ele.
“Os pesadelos são incrivelmente frustrantes para uma variedade de populações clínicas, e há uma grande necessidade de abordagens para reduzi-los. Entender como os sonhos são formados e como mudá-los já está abrindo caminhos para protocolos eficientes de redução de pesadelos.”
No geral, o conjunto de trabalhos apresentados na CNS 2024 está mostrando as diversas maneiras pelas quais os sonhos afetam nossas vidas enquanto estamos acordados. “Isso é bastante previsível quando se considera que os sonhos são experiências, e sua experiência anterior sempre vai influenciar suas experiências futuras.”
O trabalho também ecoa uma lição fundamental da neurociência cognitiva, que tanto acordados quanto dormindo, nossas percepções do mundo são apenas criações imperfeitas em nossas mentes.
