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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas, também chamada de CPI das Bets, foi encerrada nesta quinta-feira (12) sem aprovar medidas concretas. Por 4 votos contra e 3 a favor, os senadores rejeitaram o relatório final apresentado por Soraya Thronicke (Podemos-MS), que previa o indiciamento de 16 pessoas, incluindo influenciadores digitais como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, além da apresentação de 20 projetos de lei para regular o setor.
Foi a primeira vez em uma década que uma CPI do Senado teve seu relatório final rejeitado. Com isso, os trabalhos da comissão são encerrados sem encaminhamentos formais.
Mesmo com a derrota, Soraya afirmou que seguirá com as propostas e denúncias: “Nós temos muito a ajudar. Saio feliz, com [sentimento de] missão cumprida. Não terminará em pizza, eu não sou pizzaiola. Eu vou marcar já na semana que vem ou, se eu conseguir, entregar hoje para alguns deles”, disse à TV Senado. Ela pretende entregar o relatório a autoridades como o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso; o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski; o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous; e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Soraya defendeu que o foco do relatório está nas propostas legislativas, e não nos pedidos de indiciamento. Entre os projetos sugeridos estão a proibição de jogos semelhantes a caça-níqueis — como o chamado “Jogo do Tigrinho” — e a vedação de apostas online por pessoas cadastradas no CadÚnico, voltado a famílias de baixa renda.
O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que votou contra o texto, criticou a pressa na análise do documento, entregue dois dias antes da votação. “Analisar em 24 horas é fingir que analisou. Estão falando que teve gente indiciada; não sei quem foi, não posso dizer se concordo. Quando você traz uma pessoa para a CPI, você execra o cara, já vira bandido. Tem empresário aí que vai trazer divisas para o país, mas, pelo ‘compliance’, ele vai terminar com o negócio desfeito porque está na CPI. Não me sinto confortável para votar o que não li”, declarou.
Coronel também defendeu a legalização das apostas como forma de garantir controle e arrecadação. Ele foi o relator do projeto que deu origem à Lei das Bets, já sancionada.
O relatório rejeitado pedia o indiciamento de diversas personalidades, incluindo:
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Virgínia Fonseca, por estelionato e propaganda enganosa;
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Deolane Bezerra, por estelionato, jogos de azar, lavagem de dinheiro e organização criminosa;
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Adélia Soares, advogada de Deolane e dona da Payflow;
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Daniel Pardim, por falso testemunho, lavagem de dinheiro e organização criminosa;
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Pâmela Drudi, influenciadora, por estelionato e publicidade enganosa;
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Fernando “Fernandinho OIG” Lima, dono de site de apostas, por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Segundo Soraya, esses influenciadores utilizavam contas simuladas fornecidas pelas plataformas para “simular apostar valores altos” e induzir seguidores a jogar, prática que ela chamou de estelionato. “A grande ênfase não são os indiciamentos”, ressaltou.
Outro relatório havia sido apresentado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), considerado por Soraya como parte de um “trabalho conjunto”. Izalci sugeria novas regras para o setor, como a exigência de licitação para explorar jogos de azar, restrição de propagandas em rádio e TV e o indiciamento do influenciador Rico Melquiades. Apesar disso, os senadores votaram apenas o texto de Soraya, e o de Izalci foi considerado prejudicado.
O senador Eduardo Gomes (PL-TO), também contrário ao relatório, criticou a inclusão de dados sigilosos e a exposição pública dos investigados. “Geralmente, ‘pirotecnia’, ataque direto à honra dos outros, inconsistências das denúncias têm sido respondidas pelo próprio eleitor como a detecção de um ‘circo’ que beira a demagogia”, afirmou. Para ele, é necessário reformar o funcionamento das CPIs: “Não gosto de CPI. Acho que a CPI funciona errado.”
A CPI das Apostas realizou 21 reuniões e ouviu apenas 19 pessoas, pouco mais de 10% dos depoimentos previstos. Seis convocados sequer compareceram. A comissão também analisou 192 pedidos de dados sigilosos ao Coaf, dos quais metade foi aprovada, resultando em 63 documentos enviados.
Favorável ao relatório, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) criticou o que chamou de omissões da CPI diante de possíveis condutas ilícitas. “Nenhum dos meus oito requerimentos foi analisado. Em dezembro de 2024, a revista Veja trouxe à tona graves denúncias. Um conhecido lobista de Brasília estaria extorquindo empresários do setor de apostas utilizando a CPI como ferramenta de pressão.”
O presidente da comissão, senador Dr. Hiran (PP-RR), rebateu: “Eu não aceito insinuações. Fale o nome. São bravatas. Não podemos ser vagos, quando somos vagos, agredimos pessoas que não merecem ser agredidas.”
Com a rejeição do relatório, os trabalhos da CPI das Apostas são oficialmente encerrados sem nenhuma responsabilização formal.
Propostas rejeitadas
Soraya considerou as propostas legislativas como um “adendo” à regulamentação feita pelo Poder Executivo, que está plenamente em vigor desde janeiro, após seis meses de transição, em 2024, para as empresas de apostas se regularizarem. Veja as principais medidas propostas pela relatora:
Medida |
Argumentos da relatora |
Vedar a exploração de jogos on-line, aqueles que se assemelham a cassinos | São potencialmente mais viciantes, não trazem contrapartida social (como incentivo ao esporte) e seus algoritmos são manipuláveis e de difícil auditoria. |
Proibição de jogos para os inscritos no CadÚnico | Recursos dos benefícios sociais são escassos e essenciais, e o desvio para apostas on-line contraria a finalidade da política social. Estudo do Banco Central de 2024 aponta que, apenas em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas. |
Cria plataforma público-privada para atuar no monitoramento de apostadores, na produção de dados e sobre apostas para facilitar a regulação. Terá integração com instituições públicas, inclusive com a Receita Federal e o CadÚnico. | Suprir atuais fragilidades regulatórias e antecipar riscos antes que se concretizem, mobilizando serviços de saúde mental e infraestruturas tecnológicas. |
Reclusão (prisão) de um a quatro anos para veiculação de propaganda que ignora as regras de proteção (como alerta de risco de dependência) ou venda de falsas promessas. Penalização também de influenciadores. | A frequência de publicidade normalizou uma cultura de risco e o vício, tratando a aposta como um atalho para o sucesso. |
Reclusão (prisão) de quatro a oito anos e multa para exploração de aposta on-line sem licença | A pena atual, de prisão simples de seis meses a dois anos e multa é desatualizada (data de 1941). |
Reclusão (prisão) de dois a seis anos e multa para transferências de valores entre apostadores e agente não autorizado | A proibição administrativa atual para instituições de pagamento que realizam essas transações são inefetivas. Essas instituições possuem menos rigor na fiscalização do Banco Central. |
Proibir “cláusula da desgraça alheia”, em que influenciadores e veículos de mídia são pagos com base nas perdas ou na captação de apostadores | Prioriza a proteção do consumidor e evita a exploração de vulnerabilidades. |
Máximo de três horas de apostas por dia, ininterruptas ou não | Ineficácia dos métodos atuais em que o usuário pode se excluir da plataforma, quando identificar exagero. Além disso, a passagem do tempo em apostas reduz o senso crítico para identificar a necessidade de suspender as apostas. |
Proibição de uso de “bônus”, “apostas grátis” e outras vantagens oferecidas por empresas de apostas | Atraem especialmente pessoas mais vulneráveis com a promessa de um ganho fácil e sem riscos, com obstáculos para o resgate do dinheiro que forçam a continuar apostando. |
Apresentação de saldo real de ganhos e perdas entre os jogos de aposta | Possibilitam momento de confrontação com a realidade e um botão de pausa na impulsividade que o jogo pode gerar. |
Proibir jogos de apostas que duram menos que três segundos e ferramentas que aceleram os jogos, como “autoplay”, “turbo”, etc | Favorece o vício e prejudica a reflexão sobre o momento de parar. |
Criação do Cadastro Nacional de Apostas, que permite autoexclusão do usuário válida para todos os sites e que será exigido na criação de contas em sites de aposta | Ferramentas atuais de autoexclusão não impedem abertura de conta em outra empresa de apostas. |
Criação de um fundo de combate a plataformas ilegais de apostas, livre de bloqueios orçamentários (contingenciamento) e custeado por casas de apostas legalizadas. | Angaria recursos das empresas de apostas legalizadas para se somar ao esforço do poder público. Sites clandestinos facilitam lavagem de dinheiro e não obedecem às restrições regulatórias. O fundo será custeado com porcentagem sobre a arrecadação das empresas (após transferir prêmios), suas multas pagas e as outorgas futuras feitas ante o Ministério da Fazenda. |
Reajuste anual, pela inflação, da taxa de outorga do Ministério da Fazenda para exploração dos jogos de aposta | O valor estipulado em 2023 tem o teto de R$ 30 milhões, no entanto, com a inflação, barateia a expansão das apostas. |
Especificar na legislação a vedação a incentivos fiscais para casas de apostas, com cobrança de ISS entre entre 5% e 6% | Alguns municípios já concedem tratamento tributário favorável a empresas do setor, o que incentiva a propagação das apostas. |
Já a proposta de Izalci incluía, entre outras:
- exploração de apostas mediante licitação;
- somente empresas no Brasil e compostas majoritariamente por brasileiros, poderiam concorrer na licitação;
- proibição de publicidade em rádios e televisões no período entre 6h e 22h;
- proibição das “contas de demonstração” (mecanismo para fins publicitários que simula ganhos inexistentes);
- responsabilização solidária de influenciadores digitais e plataformas por danos causados por publicidade abusiva (assim, quem fizesse publicidade dessas apostas on-line poderia ser punido em caso de danos);
- instituição do SUS Apostas, com contribuição de 10% sobre a receita bruta de contratos de publicidade — os recursos seriam destinados ao Fundo Nacional de Saúde para financiar o tratamento de ludopatia (vício em apostas);
- instituição, no âmbito do Ministério da Saúde, de um observatório nacional sobre os impactos dessas apostas na economia, nas relações sociais e na saúde mental.
Investigação
A CPI das Bets foi instalada em novembro de 2024 para investigar o impacto que as apostas on-line causam no orçamento das famílias brasileiras, apurar supostos vínculos com crime organizado e identificar irregularidades na atuação de influenciadores que divulgam essas apostas.
As chamados apostas de quota fixa se referem às apostas on-line esportivas (bets) e aos jogos on-line que se assemelham aos cassinos (como o Jogo do Tigrinho). A “quota fixa” é aquela que permite ao apostador saber de antemão quantas vezes a mais ele receberá sobre o valor apostado, caso seja premiado.
O setor passa por uma abertura desde 2018, com a Lei 13.756. O período sem regras explícitas para atuação gera divergência entre especialistas quanto à legalidade de determinadas atividades do setor.
