A advogada que assinou sozinha a soltura de um dos principais chefes do PCC, Ana Luísa Gonçalves Rocha, 24, estagiou até o final de 2019 no gabinete do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que inclusive foi quem concedeu o habeas corpus a um dos mais perigosos narcotraficantes do país.
Ana Luísa é formada em direito pela UnB (Universidade de Brasília), e abriu um escritório com Eduardo Ubaldo Barbos, outro ex-funcionário de Marco Aurélio, em março deste ano.
De acordo com fontes próximas dos dois, eles se conheceram no gabinete do ministro. Mesmo tendo a sociedade, a recém-formada assinou sozinha o habeas corpus em favor de André do Rap.
No começo deste mês o pedido foi acatado pelo próprio ministro, e por conta disto agora o traficante se encontra foragido desde 10 de outubro. Porém, o líder do Supremo, ministro Luiz Fux, derrubou a liminar, no dia 15 de outubro, e a corte concordou em plenário a sua revogação.
Os dois advogados possuem outro processo sob a relatoria de Marco Aurélio, no qual atuam em defesa de um juiz punido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Com artigos e vida acadêmica na universidade, voltados à advocacia trabalhista, Ana Luísa Golçalves Rocha é nova não apenas em carteirinha da OAB como também nos processos no STF, onde passou a atuar neste ano.
O ex-assessor de Marco Aurélio ficou até fevereiro deste ano no gabinete do ministro e, em janeiro, recebeu salário líquido de R$ 17.144,41. A sociedade entre os dois advogados foi revelada pela revista Crusoé.
Já a advogada de André do Rap, foi desligada do sistema do tribunal no começo de janeiro deste ano. Agora ela cursa mestrado na UnB e integra o grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania na mesma instituição.
No ano de 2018, a na época estudante de direito fez uma contribuição para um livro comemorativo sobre os 30 anos da Constituição Federal e escreveu sobre a jornada de trabalho excessiva de motoristas profissionais.
Em 2020, ela produziu um artigo sobre o “retrato do mundo do trabalho na pandemia em cinco paradoxos”.
Além de Marco Aurélio, Ana Luísa Rocha também estagiou no escritório Sérgio Bermudes, em Brasília, que é considerado um dos maiores do país, entre 2016 e 2017.
O advogado Áureo Tupinambá de Oliveira Fausto Filho, 37, que defende André do Rap, disse à Folha que a conheceu através de outro advogado, de Santos (SP) e negou que tenha feito a escolha por ela ter como sócio um ex-assessor do ministro Marco Aurélio.
“O escritório dela é de Brasília, mais próximo, se fosse necessário qualquer despacho, entendeu? Nós estamos muito distantes [na Baixa Santista]”, disse.
O advogado criminalista Roberto Delmanto, que também defendeu André do Rap em outro pedido de habeas corpus, informou que “nunca soube do nome” da advogada e que não teve conhecimento do HC movido por ela, “salvo pela imprensa”.
Ele também confirmou que não conhecia Eduardo Ubaldo Barbosa, sócio da advogada. “Nunca tinha ouvido falar, desconheço completamente”, disse.
O advogado declarou que apenas moveu um habeas corpus em favor do traficante e largou o caso por “foro íntimo”. “Tive vitória em um habeas corpus anterior, mas ele não resultou na soltura do paciente, pois havia outro mandado de prisão”, disse.
Já a ex-estagiária de Marco Aurélio, usou como base em seu pedido a regra recentemente incluída no Código de Processo Penal (CPP), no artigo 316, que estabelece que as prisões preventivas devem ser revisadas a cada 90 dias, sob pena de tornar a prisão ilegal.
“Eis que o paciente está submetido a prisão manifestamente ilegal, uma vez descumprida a imposição legal que determina a revisão, de ofício, dos fundamentos da custódia a cada 90 dias, art. 316, parágrafo único, do CPP”, escreveu.
A decisão provisória acatada pelo ministro do Supremo foi reformada por Fux. No julgamento colegiado, o presidente do STF disse que o traficante “debochou da Justiça” ao fugir logo após ser liberado.
Às autoridades o chefe do PCC informou um endereço em Guarujá, no litoral paulista, mas, segundo o governo paulista, ele seguiu para Maringá (PR). A polícia apura para onde ele fugiu.
Marco Aurélio tem justificado sua decisão afirmando que “não olha a capa do processo” e julga de acordo com o mérito, independentemente de quem for o apelante.
O QUE DIZ A EX-ESTAGIÁRIA DE MARCO AURÉLIO
Procurada por telefone e mensagens de WhatsApp pela Folha, a advogada não respondeu até à publicação da matéria. Seu sócio também não retornou o contato.
Fontes próximas de Ana Luísa Gonçalves Rocha afirmaram que a ex-estagiária está assustada com a repercussão do caso e apagou suas contas nas redes sociais.
O QUE DIZ O MINISTRO MARCO AURÉLIO
Já Marco Aurélio disse que “cansou da imprensa” e desligou o telefone quando questionado sobre o fato de a advogada ter estagiado em seu gabinete. “Não falo mais, tá ok? Cansei de vocês incendiarem”, disse.
O QUE DIZ O SUPREMO
Procurada desde sexta-feira (16), a assessoria de imprensa do STF não respondeu sobre o caso.